8 it was RED: dezembro 2009

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

"Dorminhoco", Woody Allen e Chapolin

Recentemente soube que no Rio de Janeiro ocorreu a mostra cinematográfica A Elegância de Woody Allen, a qual exibe a extensa filmografia do diretor novaiorquino. A notícia me lembrou da existência desse importante cineasta, instigando-me a explorar sua obra. Como moro em Porto Alegre, a solução para conhecer as películas de Allen foi passar em alguma locadora e pegar todos os seus filmes que vi nas prateleiras. Agora que estou em férias, a falta de tempo, único obstáculo entre minha cinefilia e minha rotina, é inexistente; logo, nessa sexta-feira aluguei, além de outros sete filmes, oito DVD’s do cineasta. Os longas selecionados foram: O que é que há, gatinha?(1965), Dorminhoco(1973), A Rosa Púrpura do Cairo(1985), Poderosa Afrodite(1995), Todos Dizem Eu Te Amo(1996), Celebridades(1998), Trapaceiros(2000) e Dirigindo no Escuro(2002). Até agora, assisti a dois dos filmes citados: A Rosa Púrpura do Cairo(1985) e Dorminhoco(1973). Antes de assistir a esses dois longas, já havia assistido a outros de Allen: Vicky Cristina Barcelona (2009), Scoop – o grande furo (2006) e Zelig(1983).

O que percebi em todas as fitas de Woody as quais contemplei até agora foi a presença marcante de um humor Chapolin. Todos os argumentos poderiam perfeitamente dar luz a episódios do herói mexicano. O dono das "Anteninhas de Vinil" poderia ser inserido em A Rosa Púrpura do Cairo (1985) e ajudar na captura do astro que fugiu das telas; também ajudaria Miles em Dorminhoco (1973); além disso, a personagem criada por Roberto Gómez Bolaños auxiliaria na busca pelo assassino em Scoop – o grande furo(2006). A única película que se distancia desse ponto é Vicky Cristina Barcelona(2009). El Chapulín Colorado surgiu em 1970, enquanto que o primeiro filme escrito por Allen, O que é que há, gatinha?, é de 1965. No entanto, o criador de Chaves escreve desde 1958. Não há como dizer se um influenciou o outro; se essa influência é inexistente, e as semelhanças são apenas interseções das obras dos dois; ou, ainda, afirmar que ambos bebem da mesma fonte de inspiração. Descartaria a primeira opção.

Para comentar, escolhi o filme que, por enquanto, considero obra-prima de Woody Allen.
Dorminhoco (Sleeper, 1973)
Direção: Woody Allen
Roteiro: Woody Allen, Marshall Brickman

Dorminhoco é um tímido filme da filmografia de Woody Allen, o qual se esconde atrás de grandes nomes como A Rosa Púrpura do Cairo, Zelig e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa(1977). A película de 1973 conta a história de Miles Monroe (o próprio Woody Allen), que acorda depois de 200 anos após um acidente de hospital. O protagonista descobre um futuro controlado por um governo opressor de direita conservadora. Como Monroe representa um perigo ao estável kitch ditatorial imposto pelas autoridades, o protagonista é perseguido pela polícia; a perseguição dá luz à diversas cenas carregadas com o humor chapolinesco, as quais, na minha opinião, empobrecem o filme.

Os cientistas responsáveis pelo descongelamento de Miles o levam a uma casa a fim de estudar o protagonista e fazer com que esse se recupere do longo estado de dormência. Nessa fração da película, Woody mostra inteligência ao colocar os instruídos nas ciências realizando uma série de perguntas a Monroe sobre “artefatos históricos” cujas datas variam entre 1950 a 2000, período o qual, não apenas a personagem principal, mas também os espectadores da película têm total conhecimento. São exibidas fotos, uma revista Playboy, um bate-dentes e uma televisão. Os cientistas acreditam que o tubo de raios catódicos era uma tortura a qual os governantes destinavam a alguns infratores; Miles, após pensar um pouco, confirma a visão dos estudiosos.

A polícia aparece pela primeira vez no longa na casa dos cientistas. Lá, ela consegue capturá-los; enquanto isso, Miles alcança sua escapada ao entrar em um caminhão de robôs os quais foram criados para realizar serviços domésticos. A solução encontrada pelo protagonista para uma fuga bem sucedida foi travestir-se de robô, camuflando-se, assim, no meio dos verdadeiros serviçais do futuro. O esconderijo encontrado por Monroe era um veículo de entregas, assim, ele é deixado frente a uma residência para ser o novo criado computadorizado de Luna (Diana Keaton), uma pseudo-intelectual satisfeita com o estilo de vida imposto pelo governo.

Em uma fuga da polícia, Miles acaba fugindo com Luna e revela sua verdadeira identidade a ela. A moça, como uma obediente marionete do governo, entrega o protagonista às autoridades. No entanto, além de querer apagar a mente de Monroe, os restauradores da ordem também pretendiam reprogamar o cérebro da pseudo-intelectual, pois sua convivência com o protagonista era uma ameaça à calmaria da alienação. A situação abre os olhos da moça e faz com que ela sofra um gradual processo de equerdização.

Ressucitar Miles foi um ato de oposição ao governo, devido à falta de alienação da personagem principal; se os cientistas e o protagonista fossem pegos, eles teriam seus cérebros reprogramados. Em resposta a esse governo, existe a Resistência - um grupo de rebeldes que pretende acabar com a opressão, fazendo uma revolução para derrubar o Grande Líder. Se em Alphaville, obra do célebre Jean-Luc Godard, o controlador do catastrófico futuro é o robô Alpha 60, em Dorminhoco, o responsável pelo caos maquiado é um nariz. Um nariz! A Resistência pretende acabar com uma autoridade administrativa guiada por um nariz!

No decorrer do filme, temia uma visão política maniqueísta da parte de Woody. Nos primeiros minutos do longa, já tomamos conhecimento das críticas à direita, mas o retrato da esquerda ainda estava oculto. Felizmente, Allen critica as duas perspectivas. As críticas são feitas através da pseudo-intelectual, que, revelando um fascínio infantil pelas palavras de Marx, encarna o estereótipo de novo-esquerdista-imaturo-deslumbrado-que-acha-que-sabe-tudo-e-que-pode-mudar-o-mundo. Ao não idealizar nenhum dos dois lados, o cineasta dá um inteligente destino a sua película.

Se de um lado vemos a esquerdização da pseudo-intelectual, do outro observamos a troca de lado imposta a Monroe. O protagonista nunca foi da esquerda, apenas fora colocado lá ao ser descongelado; do mesmo modo, ele também foi forçado a entrar no capitalismo ao ter sua mente reprogramada. Miles é passivo em sua visão política. Reprogramado e alienado, a personagem principal abraça o kitch e leva um estilo de vida completamente vazio: tem sua rotina insignificante, sua labuta insignificante, seu cachorro-robô insignificante e suas preocupações insiginificantes.

Imagine se, ao invés de Monroe, fosses tu, leitor, que despertasse após 200 anos congelado. O que pensarias? Como te encaixarias em uma sociedade completamente diferente da qual estavas habituado? Como seria saber que todos teus amigos e familiares morreram? Woody Allen prefere não dar atenção a essas questões existenciais individualistas. Ao invés disos, o cineasta foca sua lente em um plano mais amplo; à mostrar questões referentes a apenas um ser, Allen prefere exibir os problemas da sociedade: um grupo egoísta liderado por um nariz, o qual tem todas suas atenções desviadas pelos confortos dos robôs domésticos, máquinas produtoras de orgasmos e alucinógenos em forma de uma esfera metálica. Além de criticar a sociedade, Allen também mostra o destino de algumas questões pertinentes que vivenciamos no presente. Um exemplo disso é a utilização de fertilizantes na agricultara: no futuro criado pelo cineasta, haverá frutas e legumes de proporções gigantescas.
Orb, a esfera metálica alucinógena

Considero Dorminhoco a obra-prima de Allen. O tom crítico do roteiro contrasta com o humor chapolinesco de inúmeras cenas. A película me conquistou na inteligência dos questionamentos, mas me desagradou com as seqüências pastéis. Woody Allen criou um futuro o qual é uma hipérbole do nosso presente, assim, não devemos esquecer que os cômicos rumos traçados por Allen são, na verdade, os caminhos que trilhamos hoje, porém em escala assombrosa. Maquiada pelo humor está uma excelente crítica a sociedade.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Atividade Paranormal + Selos

Ganhei três selos dos blogs Cine Europeu - o qual recentemente tive o prazer de descobrir – e Fotograma Digital – que tenho a felicidade de acompanhar há uma boa fração da minha vida de blogueiro. Muito obrigado aos dois! Um dos selos (“Este blog dá vontade de abraçar”) tem como regra responder a três perguntas:
1- Quem mais gostas de abraçar, no presente: minha namorada Stephanie, pessoa importantíssima na minha vida.
2- Quem nunca abraçarias: clichês ambulantes.
3- A quem davas tudo para poder abraçar: cinéfilamente falando, David Lynch.
4- A quem davas o teu melhor abraço: minha namorada.

Respondida as perguntas, indicarei seis blogs para os três selos. Como de praxe, insisto na preocupação com a qualidade dos indicados, pois os selos devem ser um símbolo da qualidade do blog, e não apenas um mero enfeite.

Parabéns aos indicados!


Atividade Paranormal (Paranormal Activity, 2007)
Direção: Oren Peli
Roteiro: Oren Peli




Em uma era repleta de filmes de terror megalomaníacos, nos quais os monstros abusam dos efeitos especiais e as mortes das personagens ocorrem a todo instante como se fosse algo comum, Atividade paranormal surge como uma obra dissonante ao exagerado gênero. A película, que ficou famosa por seu baixíssimo orçamento e por sua altíssima rentabilidade, mostra a história do casal Micah (Micah Sloat) e Katie (Katie Featherston). A personagem feminina presencia, desde sua infância, inexplicáveis eventos sobrenaturais causados por um demônio que a persegue. Micah compra uma câmera para filmar as atividades paranormais que ocorrem, e é essa única câmera que nos guiará durante todo o longa.



Oren Peli



O filme inicia com uma atmosfera acolhedoramente caseira ao mostrar Micah filmando sua namorada enquanto os dois brincam como um casal comum. O clima acolhedor reside não somente na normal relação dos dois, mas também na fotografia responsável pela câmera digital, pois, se em minhas órbitas, ao invés de olhos eu possuísse câmeras, essas câmeras seriam digitais. Além da câmera, a iluminação natural deixa a verossimilhança fluir na sala de projeção.

Fui assistir à película sabendo apenas do famosíssimo fato do orçamento; não vi nenhum trailer e nem li nenhuma resenha antes de entrar no cinema. O que eu esperava na fração inicial da obra era que, como em qualquer longa de terror, “surpreendentemente” (hoje isso já ficou tão clichê que já não causa surpresa nenhuma), aparecesse algum espírito e me assustasse, quebrando o agradável clima residencial que pairava até então, e assim surgisse um tosco letreiro escrito Atividade Paranormal. Entretanto, isso felizmente não ocorreu. Passam-se vários minutos e continuamos sendo envolvidos pela fraternal verossimilhança do filme. O casal janta, conversa, brinca, namora e leva sua vida normal. Vamos sendo inteirados dos problemas de Katie aos poucos através das conversas entre as personagens. Micah, a fim de registrar os bizarros acontecimentos, coloca a câmera sobre um tripé para filmar a noite de sono do casal. É no quarto que ocorrem sutilmente todos os eventos sobrenaturais.

A originalidade de Atividade Paranormal é fruto de sua sutileza. A trama nos envolve gradativamente, não apenas ao nos informar aos poucos os problemas de Katie, mas também ao nos revelar os pequenos eventos sobrenaturais que cada vez perturbam mais o casal. Não vemos nenhum monstro, demônio ou fantasma; o que vemos são cenas que parecem extremamente possíveis de acontecer na realidade: uma porta batendo, passos na escada, sombras aparecendo, etc. Ao não dar uma face ao demônio que persegue a personagem feminina, o filme demonstra sagacidade, pois está mexendo com nossa imaginação, a qual é capaz de nos assustar mais do que qualquer monstro cinematograficamente físico. Essa ferramenta já foi utilizada em outros longas, como em Bebê de Rosemary; nessa película, Polansky não dá um rosto ao filho do diabo, o que fertiliza nossa mente e nos perturba mais do que uma aberração concreta. Outro trunfo de Atividade Paranormal é quebrar com os clichês do terror. Durante vários momentos, após algum manifesto fantasmagórico, a câmera procura evidências em lugares como atrás da cortina, e tubulações de ar. Em outras ocasiões, durante cenas mais enérgicas, a câmera passa rapidamente por espelhos. Seqüências como essas são um prato cheio para ornar o filme com habituais sustos; no entanto, a película prefere não o fazer, escolha que a torna muito mais realista. Além disso, ao escolher esse caminho, a fita brinca com nossa mente, pois ela conhece todos os pontos comuns de uma obra de terror. Assim, somos induzidos a pensar que há algum ser atrás da cortina ou dentro da tubulação de ar e, conseqüentemente, assustamo-nos.

Atividade Paranormal vai nos assustando de forma gradativa. No decorrer do filme, envolvemo-nos com a trama e nos perturbamos com sua direção. O longa acaba de forma brusca, sendo que não há os habituais créditos que nos lembram que tudo aquilo é apenas uma película. Sendo assim, vamos para nossas casas ainda sob a mórbida atmosfera da obra. Ao chegarmos em nossas residências é quando a obra tem maior impacto; é como se estivéssemos dentro dela. Quem que assistiu à fita e não teve medo de ter seu pé puxado por alguma força estranha? Confesso que tive. Ontem minha namorada se levantou para buscar água. No longa, Katie se ergue da cama e fica em pé olhando estaticamente Micah durante horas. Tenho que admitir que as semelhanças me incomodaram um pouco (obviamente minha namorada não ficou estática observando-me, mas mesmo assim aquilo me assustou). O quarto ao qual estamos tão acostumados toma formas sombrias após Atividade Paranormal, e é essa a maior qualidade da película.

Atividade Paranormal é um dos melhores filmes de terror a que já assisti. O longa inteligentemente mexe com nosso imaginário, sabendo que esse é mais poderoso que qualquer recurso estético cinematográfico. Além disso, a verossimilhança presente nos permite construir pontes que conectam a película à realidade, o que pode nos perturbar durante noites.

PS: A série “soco no estômago” não acabou; ela terá sempre sua presença garantida aqui no it was RED.