8 it was RED: agosto 2009

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Império dos sonhos - Lynch na sua melhor forma

Império dos Sonhos (Inland Empire, 2006)
Direção: David Lynch
Roteiro: David Lynch

Cinema e literatura são artes muito próximas; por isso, me agrada muito um filme que consegue separar um do outro, ou seja, transformar a sétima arte em uma experiência visual. Isso acontece em Império dos Sonhos, um dos meus filmes prediletos em geral e, com certeza, o melhor de David Lynch. Inland Empire é cinema de verdade.


Gosto muito das obras de David Lynch que vi até agora (falta A Estrada Perdida (1997)). O cineasta possui um estilo diferenciado, uma maneira única de fazer cinema, pois ele se desprende do racional e explicável. Apenas ele poderia realizar seus filmes; ninguém consegue criar aquele clima tenso com cenas surreais, característico de sua filmografia. Tensão é uma sensação que Lynch passa como ninguém, com o auxílio da dramaticidade de suas luzes e os ruídos sempre presentes nas cenas.

Antes de realizar Império dos Sonhos, suas películas possuíam um elo com a razão. Nesse longa - que foi inteiramente filmado com câmera digital - isso não acontece; o diretor foi mais longe do que nunca, pois não há explicação para a obra. Apesar disso, há quem procure um sentido para ela, mas qualquer interpretação não passa de uma mera especulação; cada um cria a sua. Eu, sinceramente, me recuso a criar uma, pois isso tiraria todo o sentido do filme.

Inland Empire conta a história de Nick (Laura Dern), uma atriz que vai interpretar Susan Blue em uma refilmagem de uma produção polonesa cujos protagonistas morreram durante a gravação. Ela é casada com um homem poderoso que alerta Devon, ator sedutor que interpretará Billy Side e contracenará com Nick, para não se envolver com essa. Com o início das filmagens, ela começa a confundir sua vida com a da sua personagem, abrido portas para um confuso universo ilustrado por Lynch com corredores, jogos de luzes, coelhos em uma sala, cortinas vermelhas e outros objetos que, com o toque do cineasta, transformam o filme em uma experiência visual nunca vista antes.

Quem gosta e quem não gosta de Império dos Sonhos tem o mesmo argumento: “Mas isso não faz sentido! Três horas de uma coisa completamente irracional!”. O lado de quem aprecia: com essa proposta, Lynch abre portas para um cinema completamente diferente, no qual não podemos explicar tudo. Ficar racionalizando o que o cineasta faz é destruir completamente sua obra, porque Império dos Sonhos é um filme para se sentir: não há porquês. Aí está toda a magia da obra: abandonando o racional, ele deixa as sensações fluirem na tela.


O nome do blog "it was RED" faz referência a uma das falas desconexas de um dos coelhos de Inland Empire

Digo que Inland Empire é um longa que tem Lynch na sua melhor forma, pois, assistindo a obra, percebemos que diretor gozou de total liberdade para realiza-la, para por toda sua criatividade e ousadia na tela. Nunca a dramaticidade de sua luz foi tão intensa; nunca seu experimentalismo foi tão longe; nunca houve uma experiência visual tão enérgica quanto essa. Diria que nenhum filme, nem Un chien Andalou (Luis Buñuel, 1929) e Eraserhead (David Lynch, 1979), conseguiu tratar, com tamanha maestria, do universo surreal. Aliás, surreal é uma palavra que se encaixa prefeitamente a obra lynchiana. Império dos Sonhos é mais do que um simples filme: é uma experiência única.

PS: Sugiro que para quem não conhece o cineasta não começar por Império dos Sonhos, mas por um longa mais coerente.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

O mais emocionante que já assisti

Ingmar Bergman (1918 - 2007)



Outro cineasta o qual venho assistindo bastante ultimamente é Ingmar Bergman. As obras vistas foram: Persona (1966), A flauta mágica (1975), Sonata de Outono (1978) e Sarabanda (2003). Gostei de todos, com exceção de um: A flauta mágica. O motivo? É uma ópera, porra! Não gosto de óperas, mas apesar disso resolvi assisti-la para descobrir mais sobre o cineasta. Teimei e paguei o preço. No entanto, sobre os outros longas só tenho elogios a dizer. Gostei muito de Persona e Sonata de outono; ambos irão para minha lista. Sarabanda, apesar de um ótimo filme, não me conquistou tanto.


Sonata de Outono, Persona, Sarabanda (Closes nos rostos das personagens)


Persona, Sonata de Outono e Sarabanda têm muitas semelhanças entre si, tanto em aspectos técnicos como na história. Todos têm momentos bem marcantes com câmera estática e apresentam closes no rosto das personagens, além das conversas dessas com a câmera/espectador; a presença de Liv Ullmann, a musa de Bergman - o cineasta teve uma filha com a atriz, além de dirigir 10 filmes com ela, sendo o primeiro Persona -; a temática do conflito pscicológico e dos pais que rejeitam secretamente os filhos. Apesar das semelhanças, cada filme tem seu diferencial. Enquanto Persona mostra o conflito entre duas mulheres, Sarabanda expõe as conseqüências da morte da mãe em uma família e Sonata de Outono é o comovente retrato de uma tumultuada relação entre mãe e filha. Nesse post comentarei Sonata de Outono.





Sonata de Outono (Höstsonaten, 1978)

Direção: Ingmar Bergman
Roteiro: Ingmar Bergman




O filme retrata o reencontro após sete anos entre a mãe Charlotte (Ingrid Bergman) - uma pianista famosa - e a filha Eva (Liv Ullmann) – uma mulher tímida e deprimida. Eva, que é casada com Viktor (Halvar Björk), cuida da irmã deficiente mental Helena (Lena Nyman), a qual é rejeitada por Charlotte. Parece uma história simples com tudo para ser piegas, dramalhão, mas Bergman torna-a uma obra genial sobre relacionamentos familiares e conflitos psicológicos.

Durante o reencontro a tumultuada relação que se esconde atrás de sorrisos e gentilezas entre Charlotte e Eva nos é revelada. O desentedimento entre mãe e filha é primeiramente visto por nós - de uma forma implícita, através de gestos das personagens - na cena em que as duas tocam piano. A discóridia entre elas é explicitada na discussão que ocorre após o pesadelo de Charlotte, o qual acontece como um prenúncio do caos, da explosão que está por vir.

A crescente maneira na qual os conflitos são exibidos, além de envolver o espectador, evidencia a excelente dinâmica da película. É interessante notar que as ações do filme se restringem apenas a conversas entre mãe e filha dentro de uma casa, ou seja, alguém poderia dizer que se trata de um longa parado. No entanto, esse não é o caso. Os diálogos bem escritos, as excelentes atuações e a delicada direção tornam o filme uma obra prima.

É possível notar na obra a delicada fotografia com cores vermelha, verde e amarela, remetendo ao outono, estação na qual ocorre a história. Bergman optou por uma direção mais discreta nesse longa e acertou em cheio, pois se fosse diferente o filme ficaria provavelmente exagerado e com certeza não tão comovente. Digo com total segurança que Sonata de outono foi o filme mais emocionante que já assisti. E tu, qual foi o filme que mais te emocionou?






terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sobre "Los olvidados" e Buñuel

Os esquecidos (Los olvidados, 1950)

Direção: Luis Buñuel

Roteiro: Luis Alcoriza e Luis Buñuel





Nos três últimos dias tive uma overdose de Luis Buñuel, grande cineasta mexicano que tem seu nome associado às origens do cinema surrealista. Os filmes que assisti foram: Un Chien Andalou (1929), L’Age d’Or (1930), Los olvidados (1950) e Subida Al Cielo (1951). Minha maior expectativa era quanto ao primeiro; infelizmente, o curta metragem que tem Salvador Dali como roteirista não me agradou, assim como L’Age d’Or e Subida Al Cielo. Para comentar escolhi o que mais me agradou: Los olvidados, longa que rendeu a Buñuel o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes de 1951.






Logo na abertura o narrador anuncia o tom de denúncia da película, ao nos falar sobre a pobreza escondida nas grandes metrópoles, como a cidade do México, local onde é ambientada a história. Em um bairro pobre, nos é mostrado um grupo de garotos que conversa sobre “Jaibo”, jovem que tinha acabado de fugir do reformatório. O fugitivo se reúne com o grupo e, juntos, eles planejam assaltar um cego. Mais tarde, “Pedro” (um dos garotos) se junta a “Ojitos”, um menino que foi abandonado. Em certo momento, “Pedro” presencia um assassinato cometido por “Jaibo”, fato em torno do qual gira a obra.

O olhar pessismista e cruel de Buñuel me encantou com cenas como a do sonho de “Pedro” (para mim a melhor do filme), o assalto ao cego e várias outras que não direi para não estragar a surpresa. O longa revela a realidade da pobreza no México ao contrastar a população (“Pedro” em trabalho semi-escravo empurra um carrocel enquanto outra criança anda no brinquedo), mostrar a violência nas ruas e expor a covardia existente em cada um. Tecnicamente é possível notar um recurso que foi bastante utilizado em Los olvidados: algumas cenas as personagens vêm em direção à câmera e a atravessam (na parte em que as crianças brincam de toureiro, por exemplo - olhar o vídeo de 2:38 a 2:44).





Pretendo conhecer o resto da filmografia de Buñuel. Enquanto não a conheço, digo que o meu predileto do cineasta é Los olvidados. Durante 91 minutos me foi mostrado uma violenta sociedade onde ninguém é isento de culpa, fato que torna o filme realista. Excelente obra!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Brokeback Mountain sobre rodas


Sem destino (Easy Rider, 1969)
Direção: Dennis Hopper
Roteiro: Peter Fonda, Dennis Hopper, Terry Southern





Foi isso o que pensei de “Easy rider”, clássico que resolvi assistir pela primeira vez nesse domingo. O filme começa com uma pequena trama sobre drogas, na qual os personagens principais, Billy e Wyatt, conseguem dinheiro revendendo cocaína. Com o capital em mãos, eles saem juntos em suas motocicletas e começam uma viagem pelos Estados Unidos, na qual encontram alguns personagens (um deles interpretado por Jack Nicholson, que atuou muito bem por sinal). O caminho percorrido pelo casal, digo, pela dupla, nos revela o preconceito de alguns estadosunidenses por jovens cabeludos e revoltos. Segundo o filme, esses jovens seriam uma representação da liberdadade. O preconceito, por sua vez, era estampado na cara de alguns caipiras repugnantes. Mais repugnante que os caipiras era esse maniqueismo tosco que se somava às motos “super radicais” pilotadas pelos protagonistas “maneiros”. O resultado disso foi transformar um grito de liberdade em uma propaganda de Nescau cereal.



Durante 94 minutos, Billy e Wyatt têm dialogos vazios e encaram uma realidade completamente mal representada. A amizade entre os motoqueiros é absurdamente idealizada, a ponto de ser irritante. Representando mais de metade do filme, as cenas em que eles andam de motocicleta através do país e apontam paisagens bonitinhas um para o outro eram mais irritante que a amizade deles. Porra, desde quando dois motoqueiros se comportam assim? Que viadagem (gostaria de frizar que não sou homofóbico, tanto que sou fã de Almodovar e C.R.A.Z.Y)!



Não posso dizer que o longa foi inteiramente ruim, pois a cena em que os motoqueiros e algumas prostitutas estão completamente chapados em um cemitério é muito boa. Além disso, a trilha sonora é ótima. No entanto, em frente ao mar de defeitos, esses detalhes acabam não salvando a infeliz obra dirigida por Dennis Hopper e escrita por Peter Fonda (o irritante Wyatt ), Dennis Hopper (o insuportável Billy) e Terry Southern (não sei quem é o infeliz, mas colaborou a escrever os dialogos imbecis).




Muito além de “Rosebud”


Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941)
Direção: Orson Welles
Roteiro: Herman J. Mankiewicz e Orson Welles




Para estrear esse blog, nada melhor do que comentar o filme que é considerado por muitos o melhor já feito. “Cidadão Kane” teve como co-roteirista, produtor, ator e diretor o precoce Orson Welles. Com 24 anos ele foi para Hollywood filmar o longa. Apesar de nunca ter filmado nada antes, o estúdio deu muita liberdade para ele realizar sua obra, uma vez que era considerado um gênio. Para escrevê-lo, Orson baseou-se na vida de William Randolph Hearst, um milionário que além de ser proprietário de 28 jornais, possuía revistas e cadeias de rádio, assim como uma produtora de cinema. Hearst era dono de uma mansão que ele chamava de “The Ranch”, na qual ele realizava festas em que iam todas as estrelas de Hollywood e cartolas dos grandes estúdios: ele controlava a mídia através de seu poder. O protagonista da película Charles Foster Kane era, assim como Hearst, milionário, dono de um jornal, dono de uma excêntrica mansão e, acima de tudo, formador de opinião. “Cidadão Kane” quase não foi lançado: Hearst tentou comprar todas as cópias para tirá-las de divulgação. Obviamente ele não conseguiu (hoje a obra encontra-se em qualquer locadora decente). Orson Welles demostrou muita coragem ao fazer o filme.


A minha primeira impressão de “Cidadão Kane” foi ruim. Ele começa com Charles Foster Kane dizendo sua última palavra antes de morrer: “Rosebud” (a cena da morte dele é linda, uma das mais belas da obra, mas não foi esse o porquê do meu desgosto inicial). Um grupo de jornalistas que fazia um documentário sobre a vida de Kane resolve pesquisar o significado da palavra. Quando vi isso me decepcionei, pensei que o filme inteiro seria apenas a busca por uma palavra. No final eu ficaria sabendo qual seria o significado de “Rosebud”. Esperaria 2 horas apenas para descobrir qual é o maldito significado de “Rosebud”.


Felizmente eu estava errado. Ao nos mostrar essa busca, “Cidadão Kane”, nos revela a vida de Charles Foster Kane, um magnata excêntrico dono de um jornal. Através de sua história, o filme trata de assuntos interessantíssimos (essa palavra soa sarcástica, mas não a estou empregando com essa intenção), como o poder que a mídia exerce sobre o povo e o egoísmo presente nos sentimentos de cada um. Aliás, foi esse último assunto que me conquistou no primeiro longa de Orson Welles, pois mudou minha maneira de ver o mundo.


“Cidadão Kane” é genial, trata de assuntos interessantíssimos (novamente não estou sendo sarcástico) e mexeu comigo, por isso ele vai para a lista dos melhores filmes que já vi. Gostei muito dele, no entanto, não o consideraria O melhor já feito por simplesmente um motivo: acredito que nenhuma obra seja merecedora desse título. Posso até dizer quais eu acho que são as melhores das melhores, mas não conseguiria dizer qual é A melhor. Não há como comparar algumas coisas. É como responder “O que é melhor: suco de laranja ou cappuccino?” ou “Dos dois, qual tu gostas mais: Led Zeppelin ou Tom Jobim?”. Apesar de não considerá-lo o melhor, não há dúvidas de que é um excelente filme.