8 it was RED: janeiro 2010

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Elephant, Gus Van Sant, Cinema & Literatura

Primeiramente gostaria de dizer que estou de volta, após uma longa ausência devido a uma excelente viagem. Sem mais delongas, aqui está o segundo texto de 2010.


Elefante (Elephant, 2003)

Direção: Gus Van Sant

Roteiro: Gus Van Sant

Gus Van Sant é um cineasta que possui duas facetas completamente distintas. A primeira, composta por traços leves, rasos, facilmente assimiláveis e excessivamente doces, é exibida em longas de cunho comercial como Finding Forrester (2000) e Good Will Hunting (1997); esse semblante, ao simplificar e açucarar demasiadamente suas feições – tanto na estética das obras, quanto no roteiro -, mostra-se pouco atrativo e às vezes até clichê. O outro lado do estado-unidense é marcado por uma beleza ímpar; Van Sant transforma sua câmera em um pincel e compõe excelentes quadros que retratam de maneira extremamente harmônica algumas das diversas condições da natureza humana. Essa segunda vertente está claramente presente nas películas Paranoid Park (2007) e Elephant (2003).


Gus Van Sant


Em um fórum, li uma declaração de uma participante a qual afirmava que Elephant era mais próximo de um quadro do que de um livro. Concordo com esse indivíduo. Já declarei várias vezes que considero o cinema uma experiência visual e – logo - admiro realizadores que enfatizam a aparência de suas obras. No entanto, a (super)valoração da estética é depreciada por alguns. A sétima arte está muito vinculada com a literatura, e, provavelmente, reside aí o desgosto de muitos por obras como Elephant (obviamente, estou tratando do desgosto daqueles que possuem um nível cultural acima da média, e não das vítimas da Globolização). Nos livros, o autor é capaz de se comunicar diretamente com o leitor, enquanto que nos filmes, o cineasta utiliza não apenas palavras para se expressar, assim, esse se comunica com o espectador de forma mais indireta. Quando a subjetividade surge e o silêncio dos gestos substitui as palavras, perde-se boa parcela do público. Às vezes, a falta de compreensão é a responsável por essa perda; em outros casos, o que ocorre é apenas a preferência do explícito ao implícito.


Elephant mostra a famosa tragédia do Columbine High School. O interessante é que Van Sant não foca sua história apenas no atentado em si, mas sim nas relações entre os jovens nas escolas estado-unidenses. Sou incapaz de afirmar que o cineasta revelou com perfeição o que se passa entre os muros dessas instituições norte-americanas, pois nunca estudei em uma (aí reside uma questão interessante; nos colégios do mundo inteiro há problemas de convívio, mas nos Estados Unidos esses parecem ser mais acentuados – parecem, pois em diversos filmes de todos os gêneros o universo estudantil ianque se revela extremamente perverso. O que nos é passado nas películas é real – utilizando de argumento que a arte é o reflexo da vida – ou é apenas uma hipérbole cinematográfica da problemática discente global?); no entanto, posso dizer que as relações mostradas pelo cineasta são, no mínimo, plausíveis. Os vários universos de uma high school são exibidos de forma muito humana na película de Van Sant.




A lente do cineasta abusa da delicadeza e enriquece a obra com uma sensibilidade magistral. Através de diferente tipos de jovens, observamos uma mesma realidade, mas sob perspectivas diferentes; é genial como as formas do ambiente transmutam sob cada novo olhar. O desenvolvimento de cada personagem mostrando seu cotidiano e problemas através de uma proximidade literal – a câmera mostra sempre as personagens com muita proximidade - e figurativa – a distância mostrada pela câmera cria uma atmosfera intimista e humana que, inevitavelmente, nos envolve – acaba servindo também para, além de nos mostrar a vida nos corredores de uma escola estado-unidense, tornar a tragédia ainda mais trágica, afinal, tomamos conhecimento de uma parcela das existências interrompidas (aliás, aí está o porquê do título do filme; trata-se de uma parábola budista sobre cegos avaliando um elefante; eles afirmam, equivocadamente, compreender totalmente o animal a tocar em apenas uma parcela dele. Gus Van Sant não quis mostrar o elefante existencial de cada estudante, mas sim apenas uma fração desse). Devido a isso, há quem considere Elephant um soco no estômago – Marcos Ribeiro, do blog Epipocando pediu para eu incluir essa excelente obra na série “soco no estômago”. No entanto, o que senti no filme não foi um flagelo agressivo da minha alma, mas sim uma enorme tristeza; é complicado rotular sentimentos, mas o que a película me passou quando a revi ontem à noite me impediu de inserí-la na série existencialmente masoquista.

A sétima arte encontra dificuldades para se mostrar como uma forma de expressão singular, e Gus Van Sant conseguiu superar essas. Elephant não funcionaria como outra manifestação artística. Um quadro não conseguiria tratar tão bem das relações humanas, enquanto que um livro não conseguiria descrever tão harmonicamente as cenas criadas pelo cineasta bifásico. Elephant é cinema.

sábado, 2 de janeiro de 2010

Avatar

Avatar (Avatar, 2009)
Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron


Minha primeira reação ao descobrir o novo filme de James Cameron foi: “Grande bosta, um filme caro”. Meu desdém foi parido da boca de milhões de seres que gritavam a tudo e a todos o mega-orçamento dessa super-produção (palavras engrandecedoras não faltam na descrição da obra). É insuportável ver indivíduos enaltecerem os gastos de uma película; não assisto a filmes porque são absurdamente caros ou baratos, mas porque estou interessado em uma boa história contada de uma boa maneira. O dinheiro que gasto no cinema não compra hiper-orçamentos; compra hiper-idéias (quando possível). Outra glorificação de gastos na sétima arte a qual presenciei ocorreu em Playtime (1967), de Jacques Tati. A sinopse contida no verso do DVD louvava o fato de que esse era o longa mais caro o qual o cineasta francês filmou. Quando li isso, imediatamente pensei: “e daí?”. Pelo jeito, o endeusamento dos mega-orçamentos não é uma exclusividade do mainstream cinematográfico.



James Cameron

No entanto, percebi que pessoas ao meu redor e vários blogs os quais conheço começaram a exaltar Avatar. Nesse momento, conscientizei-me de que era necessário assistir-lhe, já que ele poderia ser muito mais do que apenas um mega-super-hiper-cifrão. E foi o que fiz. Quando cheguei ao cinema, após ter - felizmente - adquirido as entradas pela internet, deparei-me com a maior fila para adentrar em uma sala de projeção da minha vida; já fazia idéia do sucesso da película, mas nunca cogitei tais dimensões. Assim, a obra de Cameron, acima de ser a produção cinematográfica mais cara já realizada, é um longa para render demasiado-pleonasticamente muito - afinal, todo e qualquer pleonasmo é útil para enfatizar os interesses lucrativos do filme.

Como já esperava, deparei-me com um roteiro completamente fraco e clichê. A obra mostra, no ano de 2154, a exploração realizada pelos humanos em Pandora, uma das luas de Polifermo, o qual orbita Alpha Centauri. Os habitantes de Pandora são os Na’vi, humanóides azuis de três metros. Os homens estão lá em busca de Unobtanium, um mineral muito valioso. Na corporativa da população terráquia estão: Parker Selfridge (Giovanni Ribisi), o estereótipo do Porco Capitalista; Dra. Grace Augustine (Sigourney Weaver), o estereótipo de um indivíduo que vive para a ciência; Norm Spellman (Joel David Moore), biológo que não é estereótipo de nada; Trudy Chacon (Michelle Rodriguez), o estereótipo da mulher-valentona; Jake Sully (Sam Worthington), personagem principal da película; e, finalmente, Coronel Miles Quaritch (Stephen Lang), o mais irritante dos estereótipos, o militar-machão-e-malvado. Os pesquisadores criaram o Programa Avatar, o qual permite um humano controlar o corpo de um híbrido Na’vi. Jake é um ex-fuzileiro paraplégico que aparece na Corporativa dos Estereótipos a fim de conseguir financiamento para uma operação que curasse sua limitação. O protagonista acaba sendo convocado para encarnar o Avatar de seu falecido irmão gêmeo, devido às suas semelhanças genéticas que contribuiriam para o sucesso da substituição. O mocinho, ao utilizar o seu Avatar e adentrar em Pandora, acaba se perdendo do seu grupo e conhecendo a Na’vi Neytiri (Zoë Saldaña), a mocinha do longa a qual leva Jake ao seu clã e lhe ensina os seus constumes.



É justificável a superficialidade das personagens, pois o objetivo do filme não é criar uma singular personalidade para cada uma delas, mas sim mostrar, sob a perspectiva de Jake, a incrível Pandora criada por James Cameron. Os efeitos especiais são realmente magníficos, é belíssima a estética do longa, sendo que o 3D funciona excelentemente bem e colabora muito para o enriquecimento dela. No entanto, toda a beleza contida em Avatar não foi suficiente para me conquistar. Isso ocorreu, pois toda a pateticidade do roteiro levantou um muro entre mim e a tela do cinema, assim, fui incapaz de me extasiar com o belo visual da obra. Um leitor atento e assíduo do it was RED poderia dizer que já afirmei que a sétima arte é uma experiência visual e me questionar o porquê do meu meu desgosto. Pois para esse leitor eu digo que, mesmo que o muro inexistisse, eu manteria a mesma opinião, já que, em algumas seqüências, a barreira desaparecia e eu conseguia manter minha atenção presa à estética da obra, mas - nessas frações da película – meu apreço era praticamente nulo. Por quê? Aqui vale a justificativa que utilizei em "soco no estômago 04".


Obras que perturbam e ferem minha alma, estão esmagando-me contra o solo. Ao ser comprimido, sinto-me vivo e é nesse ponto que reside minha paixão pelo cinema. Meus filmes prediletos são aqueles que, quando assisto, fazem jorrar da tela uma torrente de emoções a qual me envolve e acende em mim a luz de minha existência, tornando-me mais vivo naquele momento. Ao mesmo tempo em que esse pensamento explica meu fascínio por certas películas, ele ilustra meu desgosto por outras. Os longas que me provocam repulsa, em geral, são aqueles formados por uma natureza leve.

No caso desse longa, repulsa é uma expressão demasiadamente forte, pois ele não é inteiramente ruim. Além dos belos efeitos, as cenas nas quais James Cameron, com uma proximidade maior da câmera, mostra as dificuldades de adaptação de Jake em uma nova sociedade trazem um pouco de sensibilidade e realismo à obra - uma antítese dos obstáculos didáticos enfrentados pelo protagonista são os percorridos por Harry Potter quando o bruxo facilmente aprende a voar no hipogrifo em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (Alfonso Cuarón, 2004). A Avatar as críticas ambientais, embora feitas de modo piegas, acrescentam certa cor. Entretanto, nem o ambientalismo, nem a beleza dos efeitos me conquistaram nessa película. A tão bem falada estética é, com toda certeza, absurdamente linda, até mais que a própria realidade, como afirmam alguns blogs. Mas essa harmonia que custou milhões praticamente não me atingiu; não senti minha alma ascender e acender; não senti minha existência mais real; não me senti extasiado com a formosura do filme.



Avatar é um longa válido de ser visto, no entanto, está longe de ser uma grande obra. A película revela o seu melhor nas cenas que esboçam certa sensibilidade. Infelizmente essas são apagadas pelos pontos comuns e pelas seqüências piegas. A harmonia visual é tal que revela uma beleza tão incrível quanto leve, logo, a chama de minha existência foi ignorada nesse filme. A obra mais cara da história do cinema tem como objetivo não a arte, mas o dinheiro. Em suma, Avatar é pipoca.
PS: Do dia 4 ao dia 11 de janeiro não poderei visitar nenhum blog, pois estarei viajando. Desejo a todos um feliz ano novo atrasado! Abraços!