8 it was RED: março 2010

sexta-feira, 12 de março de 2010

Paris, Texas

Paris, Texas (Paris, Texas, 1984)
Direção: Wim Wenders
Roteiro:
L.M. Kit Carson, Sam Shepard

Quão árdua é a tarefa de fazer um filme que toque sem ser piegas. Há milhares de películas as quais, a fim de tocar o espectador, exageram na emoção e acabam banalizando essa. Dentro dessa lista inclui-se a faceta adocicada de Gus Van Sant, Invictus, Titanic, e tantos outros títulos que são amados por inúmeras pessoas. A emoção barata encontra seus pilares na trilha sonora excessiva e pegajosa – Invictus é um excelente exemplo -, nos sentimentos vindos de um coração arregaçado e em takes previsivelmente exagerados – uma das cenas finais de Finding Forester (a qual não descreverei a fim de evitar spoilers) ilustra perfeitamente minha idéia. O que, na maioria das vezes, falta no gênero drama é – ironicamente – humanidade. Um ser humano não demonstra sua carga emocional vomitando um discurso piegas em cima do outro; ele revela seu íntimo por meio de sutilizas, expressões, gestos. O que já é lamentável no roteiro, afunda-se mais ainda ao encontrar na direção uma preferência por cores claras e amenas que se exibem em uma paisagem bela e ensolarada; mesmo quando há a tentativa de mostrar um local sujo, esse é exibido de uma maneira limpa – é como uma patricinha de 12 anos que rasga a calça nos joelhos para mostrar seu lado “punk” (as famosas punkizinhas – denominação conceitualmente contraditória). Como se isso não bastasse, na edição o que já era meloso fica insuportável, ao ser acrescentada uma trilha sonora lamentável a essa receita indigesta.

No entanto, filmes são filmes e realidade é realidade. Nunca vi um fauno, muito menos uma chuva de sapos , mas sou apaixonado por Labirinto do Fauno e Magnólia. Às vezes a incoerência com o real ocorre de modo mais sutil, como nas matanças tarantinescas e no universo coloridíssimo de Almodóvar. Mas se a arte não deve ser uma reprodução fiel da realidade, em que se baseia minha crítica? Aí entra o aspecto fundamental da arte: subjetividade. Percebo em dramas hollywoodianos a frustrada tentativa de mostrar a realidade, a “complexidade” do ser humano. Por que considero Almodóvar um gênio, e não cubro de elogios a falsidade de filmes como esses? Pelo mesmo motivo que glorifico Dalí e não prestigio uma criança de 7 anos que está aprendendo a desenhar. Ao analisar os desenhos de um garoto, é notável a tentativa de reproduzir o que ele enxerga, mas, no entanto, essa acaba esbarrando em aspectos como a perspectiva – desenhos infantis normalmente são em duas dimensões -, traços grosseiros, etc. A criança tentou reproduzir o que enxergava, mas não o fez com sucesso. Ao observar Dalí, é gritante a não-tentativa de reproduzir a realidade; em momento algum seus quadros passam a impressão de um projeto falho. Essa comparação é aplicável a toda a Arte Moderna – o mundo não é os cubos de Picasso, nem os rabiscos de Pollock.

Vista a tempestade que paira sobre o gênero drama, é digna de atenção uma película que emocione de verdade. O filme em questão é Paris, Texas, de Wim Wenders – cineasta o qual venho descobrindo.

A história de Travis - um homem sem memória que é abrigado por seu irmão, Walt, o qual está cuidando do filho de Travis, Hunter – é um prato cheio para ser um drama-pegajoso-irritante. O protagonista surge no início da película vagando por Texas; lá, após ser encaminhado a um hospital, é levado por Hunter – o qual foi convocado por um médico – para sua casa em Los Angeles. À cidade que é normalmente - e clichemente – relacionada a sol, luxo e beleza, Paris, Texas prefere exibir um local pobre e rústico, mas que, ainda assim, oculta certa harmonia.

O longa começa esboçando a problemática de um homem, mas no seu desenrolar, acaba tecendo a relação entre pai e filho. Logo que criei o it was RED, li no blog “Acento Negativo” um post o qual mostrava os inesquecíveis pais do cinema, pois na data era dia dos pais. Se hoje fosse responder, citaria o nome de Travis. O mais incrível na personagem é sua organicidade; Travis possui defeitos os quais são revelados de maneira humana. O pai que não observou seu filho crescer mostra uma sincera e natural vontade de se reconciliar com a criança. O maior trunfo de Paris, Texas é o retrato magnífico da relação entre pai e filho; as cenas que exibem esse relacionamento são extremamente belas. Um excelente contraponto para a relação pai e filho em Paris, Texas, é a de O Paizão. Nesse filme, Sonny Koufax – personagem de Adam Sandler - apesar de não ser pai biológico, assume o papel de protetor de Julian. Tanto Sonny quanto Julian possuem defeitos, como qualquer outro indivíduo; no entanto, isso ocorre de maneira artificial. As imperfeições dos dois não são frutos de seus conflitos pessoais; elas foram incrustadas em seus espíritos. Travis e Hunter são personagens incríveis que enriquecem demasiadamente a película.

Wim Wenders não foca sua lente apenas na relação entre Travis e Hunter. Também é questionado o medo de Walt e sua mulher de perderem o garoto, pois até então eles criavam a criança. Além disso, Travis pretende reencontrar sua esposa Jane para, junto com Hunter, formarem novamente uma família.

Se as obras cinematográficas melosas possuem uma trilha sonora exagerada, tocada por uma orquestra gigantesca a qual esfrega acordes menores incessantemente nos ouvidos do espectador, em Paris, Texas ocorre o oposto. O que a audição capta nesse maravilhoso filme é uma trilha formada por músicas tocadas basicamente por um violão de aço o qual abusa – com grande gosto – dos slides. Esse violão acentua o tom reflexivo das imagens do filme.

Paris, Texas é um magnífico retrato, não apenas da relação pai-filho, mas – muito além disso – do ser humano. A película revela a complexidade das relações pessoais e a ausência de simplicidade no desfecho dos problemas da vida não só nas palavras, mas –principalmente – nas imagens.