8 it was RED: julho 2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

soco no estômago 05 (VI Fantaspoa)



Vida e Morte de Uma Gangue Pornô (The Life and Death of a Porno Gang, 2009)

Direção: Mladen Djordjevic

Roteiro: Mladen Djordjevic



Terça-feira passada, dia 13, fui à sala de cinema CineBancários para assistir ao filme Vida e Morte de uma Gangue Pornô, obra a qual, no dia 21, teve anunciada sua conquista do prêmio de Melhor Filme segundo o Júri Oficial no VI Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (o famoso Fantaspoa). Por se tratar de uma película de horror que participa do Fantaspoa e que possui o vocábulo “pornô” no título, já esperava que alguns litros de sêmen e de sangue jorrassem da tela e que a trasheira ocorresse indiscriminadamente no decorrer da sessão; entretanto, o longa ao qual assisti transcendeu o limite pudico e sanguinolento o qual eu havia traçado previamente em minha cachola.


Vida e Morte... mostra a história de Marko (Mladen Djordjevic), cineasta frustrado que se envolve com o mundo pornô, a princípio por questões financeiras, mas, depois, com uma intenção artística. Marko, após trabalhar para um diretor de filmes adultos e se desentender com o tal, monta um grupo itinerante formado por bizarras figuras que realiza apresentações em pequenas cidades interioranas. Um ricaço convida a excêntrica turma do cineasta a gravar snuffs – o termo se refere a gravações destinadas a um seleto grupo, as quais registram reais assassinatos. Como o dinheiro oferecido era alto e as vítimas seriam voluntárias, a gangue pornô de Marko aceita gravar os vídeos.



Encaro Vida e Morte... como uma sátira/homenagem a cinefilia. Marko anseia criar cinema-arte; isso é perceptível em seu curta gravado na faculdade de cinema o qual provavelmente é uma referência a Eraserhead (David Lynch, 1976), tanto pela fotografia em preto-e-branco, como – principalmente – pela cabeça de porco assada que move suas mandíbulas, encara o protagonista do curta – interpretado pelo próprio Marko – e emana um líquido viscoso de suas entranhas – remetendo ao inesquecível frango que Henry (do primeiro longa de Lynch) encontra em seu prato. Mas o curta de Marko é apenas um detalhe de seu amor pela sétima arte; a maior prova do fascínio da personagem principal de Vida e Morte... é a tentativa (frustrada) da inserção de questões sociais e existenciais no meio de suas vulgares apresentações pornôs. Simbolismos, diálogos que exibem o reflexo da alma, cenas que retratam a condição humana, todos esses pomposos temas e abordagens ficam diluídos no suor, sujeira e fluidos corporais da pornografia de Marko.


Eraserhead (David Lynch, 1976)

Marko atinge seu auge artístico nos snuffs ao incluir monólogos dos voluntários nos quais esses explicam o porquê da desistência da vida. No entanto, como em todo o longa, o tocante discurso dos pseudo-suicidas fica em segundo plano, ofuscado pela brutal matança.

Vida e Morte... extrapola a margem pornográfica a qual seu título propõe com cenas que passam pela zoofilia e pelo sexo explícito; a película também abusa das cenas regadas a sangue e sofrimento as quais foram propiciadas pelos snuffs. A pornografia e – principalmente – a matança perturbam o espectador; entretanto, a surra a qual fui submetido não me agradou, pois senti a falta de uma intenção maior, ainda que essa fosse racionalmente inexplicável. Careci de sentir (mas não entender) uma base artística maior para a obra. Irreversível (Gaspar Noé, 2002), Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1971), Funny Games (Michael Haneke, 2007), Seul contre Tous (Gaspar Noé, 1998), Anticristo (Lars Von Trier, 2009) e tantos outros longas possuem uma intenção ao nos flagelar, ainda que esse propósito seja semanticamente intangível. Vida e Morte de uma Gangue Pornô é um soco no estômago gratuito.


Mladen Djordjevic (diretor, roteirista e protagonista de Vida e Morte...) é Marko, não em relação à atuação, mas a respeito da estrutura da obra. Mladen revela seu melhor desempenho no momento em que Marko mais se aproxima do cinema-arte ao qual esse tanto ansiava, mas também peca quando sua criação se equivoca. O fato de que Mladen interpreta Marko fortifica esse ponto de vista. Entretanto, os erros de Mladen, ao contrário dos erros de Marko, são intencionais. Marko teve a intenção de criar uma obra que perturbasse (ainda que gratuitamente), que errasse, que misturasse o refinado e o vulgar. O cineasta da realidade erra e acerta simultaneamente. Djordjevic intencionou ser Marko, fazer um tosco cinema-arte misturado com porra e sangue, uma obra pretensiosa frustrada, uma arte calcada nos paradoxos. Entretanto, não me atraiu essa arte vazia, ainda que intencional.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Alice no lamentável país das maravilhas

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010)

Direção: Tim Burton

Roteiro: Linda Woolverton, Lewis Carroll


Aviso: contém spoilers desse lamentável filme


Patético. A releitura timburtoniana de Alice no País das Maravilhas e Alice no País dos Espelhos (afinal, Tim Burton’s Alice in Wonderland não é uma reprodução cinematográfica de nenhum dos dois títulos) foi extremamente aguardada. Comentava-se ela na internet, na TV – houve uma matéria no Fantástico sobre o filme –, nas revistas, jornais, rádios, enfim, em todas as mídias. Assim, antes mesmo de sua estréia, a película já tinha virado febre, chegando a influenciar a moda. Após seu lançamento, todas as bocas que gritavam notícias sobre a obra se calaram. Estranhei o nítido contraste entre sua espera e sua estréia e, a fim de ver o porquê do brusco silêncio, dirigi-me ao cinema.


Tim Burton

O filme começa com cenas piegas, na qual o pai de Alice mostra seu doce amor a sua meiguíssima filhota e esboça um belo e emocionantíssimo discurso elogiando a loucura (“all the best people are mad”, passagem que deve ter sido abraçada calorosamente por inúmeros adolescentes que se consideram doidinhos). Alguns anos depois, após a morte da figura paternal, Alice vai a uma festa a qual era, na verdade, cerimônia na qual seria pedida em casamento – fato que a protagonista viria saber apenas no decorrer do evento. Lá, ela se vê em um dilema, pois não quer casar com seu pretendente, pois não o ama; no entanto, sua família insiste para que a protagonista se ligue pelo casamento com o aspirante a marido (alguém já não viu essa história em algum lugar?). Quando Alice é pressionada a tomar uma decisão ao ter sua mão pedida em público, ela, ao observar um coelho correndo, o segue, fugindo assim da multidão que esperava sua resposta. Ao seguir o coelho, a personagem principal cai em um buraco e, então, entra em Wonderland.

Esperava que se iniciasse, nesse momento, a parte psicodélica do filme, o tão esperado resultado da interpretação que Tim Burton daria à obra de Lewis Carrol, a explosão criativa do resultado da fecundação dessas duas tortuosas mentes. Infelizmente, todas minhas expectativas se esvaíram trágica e lentamente no decorrer da torturante obra. Burton destruiu Wonderland ao transformar esse rico universo em um lugar que abusa das tecnologias, mas carece de criatividade; os cenários eram o profundo reflexo dessa moderna carência da capacidade de criar e ousar. O mais lamentável é que a obra tinha um potencial enorme para ser exatamente o contrário do que se passou na tela.


As personagens também foram completamente lamentáveis, inclusive o esperado Mad Hatter, interpretado por Johnny Depp. Em momento nenhum eu esperava que explorassem profundamente as figuras dramáticas da obra, mas aguardava ansiosamente por inventividade e trejeitos marcantes. Todavia, as peças que solidificavam a película eram vultos acinzentados que vagavam em um quadro branco, tridimensional e caro, murmurando falas pessimamente escritas, as quais tinham a pretensão (bem sucedida) de terem suas sílabas clonadas nas cordas vocais de jovens apreciadores do mais barato – intelectualmente falando - lixo.


A Alice de Burton percorre uma aventura completamente simétrica e com um norte muito bem definido. A jovem garota deve, para salvar Wonderland, derrotar o Jaguadarte, criatura pertencente à Rainha Vermelha (o lado negro do maniqueísta universo do filme) com a Espada Vorpal, a fim de que a Rainha Branca (a face branca da maniqueísta película) tome o lugar da Rainha Vermelha. Ou seja, assim como disse um amigo meu, Alice percorre uma quest.



Um momento lamentavelmente marcante no filme é a extremamente (utilizo muito o vocábulo anterior, mas nesse momento gostaria de elevá-lo à enésima potência, tamanho é meu desprezo) digna de escárnio dança realizada por Johnny Depp, o Futterwacken. No final do filme, após voltar para o mundo real e recusar casar-se com o sujeito que havia lhe pedido a mão, Alice também reproduz o Futterwacken, no entanto, de modo extremamente (novamente gostaria de elevar o último vocábulo a enésima potência) embaraçador. Raramente sinto vergonha por terceiros, mas nesse caso foi inevitável, já que a extravagância da protagonista era ridiculamente artificial; era uma excentricidade muito bem ensaiada, polida e lustrada.


No decorrer da película, comparei a Alice... de Burton com vários filmes; a comparação que melhor demonstra meu sentimento é a entre essa obra e Labirinto(1986), de Jim Henson. No filme de 1986, a criatividade é gritante, devido às criaturas marcantes, ousadas e inventivas, e aos cenários muito bem desenhados, engenhosos e encantadores. Acredito profundamente que Burton não tentou copiar Henson, mas me arrisco a declarar que Alice no país das maravilhas é um Labirinto frustrado.


Alice no País das Maravilhas é o puro retrato da carência criativa do contemporâneo mainstream cinematográfico, uma indústria que está fodendo para o resultado artístico de suas realizações, e se preocupa somente com o resultado financeiro delas. O que está mandando na sétima arte é o dinheiro, e não a criatividade. A conseqüência da inversão dessa pirâmide é a decadência do considerado cinema-arte. Entretanto, sustentar uma película com efeitos caríssimos e não com idéias parece ser um modelo de cinema muito bem recebido pelo público; Alice no País das Maravilhas é a maior bilheteria de abertura da Walt Disney no Brasil. Não grito por um fim ao consumo do mainstream, mas por um apreço consciente.


P.S:Recentemente descobri a existência de uma versão de Alice... feita por Jan Svankmajer, um artista surrealista checo, o qual, ironicamente, influenciou Burton. Ainda não tive a oportunidade de ver sua versão, mas vi alguns vídeos dela no YouTube, e me impressionei com o trabalho, que se mostra criativo, minimalista e envolvente. Se alguém conhece essa obra, comente sua opinião acerca dela.