8 it was RED: outubro 2009

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Inglourious Basterds e Tarantino

Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009)

Direção: Quentin Tarantino

Roteiro: Quentin Tarantino





Um músico amigo meu certa vez disse que um grande compositor é aquele que consegue agradar desde o mais erudito fã de música até o indivíduo que não tem nenhum conhecimento musical. Como exemplo ele citou Tom Jobim, falando que praticamente todos conhecem e apreciam suas composições. Uma prova disso é que, durante uma tarde em que estudava, meu amigo ouviu sua empregada cantando distraidamente “Garota de Ipanema”.


Se Tom Jobim conseguiu isso na música, Quentin Tarantino o fez no cinema. Uma prova desse fato é Inglourious Basterds: o cineasta conseguiu agradar desde o mais “erudito” cinéfilo, até o mais simples acompanhante da cena mainstream da sétima arte.


Tarantino faz parte dos "Cineastas do VCR”, uma geração de cineastas que não frequentou faculdades e que teve como escola a cinefilia. Outro profissional do cinema que faz parte desse grupo é Paul Thomas Anderson, amigo do diretor. Quentin afirmou que, se Inglourious Basterds foi um grande filme, em parte, é por culpa de There will be blood – último filme de p.t.a -, pois a qualidade dessa obra é um insentivo para ele realizar uma película à altura.


No entanto, assim como há quem não goste de Tom Jobim – não por falta de conhecimento, mas apenas por uma questão de gosto –, há quem não goste de Tarantino. Minha relação com o diretor beira o antagonismo. Ora amo seus filmes, ora eles não me agradam. Não diria que desgosto dele, pois sou fã de Pulp Fiction, me apaixonei por Inglourious Basterds e gostei muito de Reservoir Dogs. Apesar disso, não diria que ele é um dos meus diretores prediletos, pois Kill Bill e Jackie Brown não me agradaram.


O novo filme do diretor é uma singular releitura da Segunda Guerra Mundial na qual ele colocou todos os elementos característicos presentes em sua filmografia: o rítmo ágil do filme manifesta-se em várias cenas, como na cena da taverna – uma seqüência genial, na qual, em poucos segundos (literalmente), o rumo da cena é totalmente deslocado; os diálogos ousados e elaborados nos divertem e nos atraem em takes que, apesar de longos, não nos cansam em momento algum; e as referências a cultura pop aproximam o espectador do conflito reinventado por Quentin.



Duas atuações em Inglourious Basterds são dignas de destaque. Brad Pitt está muito bom no papel de Aldo Raine, entretanto, ele é ofuscado por Christoph Waltz, ganhador do prêmio de melhor ator no Festival de Cannes. Christoph está genial no papel de Hans Landa, o coronel que é conhecido pelo apelido “The Jew Hunter” (o caçador de judeus). O educado e excêntrico poliglota é responsável por cenas inesquecíveis.


Outra qualidade de Inglourious Basterds é o modo com o qual a obra transforma pequenas ações em atos imponentes, como na cena em que Shosanna (Mélanie Laurent) prepara o projetor para sabotar a grande estréia do filme "Orgulho da nação". Tarantino fez cada simples movimento realizado pela atriz parecer grandioso. Alguém poderia dizer que isso ocorre apenas devido ao encadeamento de idéias, pois aqueles feitos seriam cruciais para o destino da guerra; no entanto, o que torna a cena tensa é muito mais do que o contexto, é a maneira com a qual a cena foi feita e filmada. Quentin consegue deixar o espectador completamente tenso com um simples puxar de alavanca.


Tarantino se redimiu com Inglourious Basterds, pois, desde Pulp Fiction, o cineasta não realizava nada REALMENTE bom. O seu último longa é excelente e muito divertido. Essa é a obra-prima de Quentin, como o diretor dá a entender na cena final com a fala de Brad Pitt “I think this is my masterpiece”. Não lembro de ter me empolgado tanto com a película de 1994.

domingo, 11 de outubro de 2009

Giulietta, Fellini e Noites de Cabíria

Noites de Cabíria (Le notti di Cabiria, 1957)

Direção: Federico Fellini



Roteiro: Federico Fellini
Ennio Flaiano
Tullio Pinelli
Pier Paolo Pasolini
Maria Molinari




Quem foi o maior diretor de todos os tempos? Embora eu acredite que essa questão não tenha uma solução, a essa pergunta muitos dariam a mesma resposta: Federico Fellini. Esse importantíssimo cineasta foi o responsável por Noites de Cabíria, uma das minhas películas prediletas. A obra mostra as andanças de Cabíria, brilhantemente interpretada por Giulietta Masina – uma das minhas atrizes prediletas, se não A predileta – pelas ruas de Roma. O diretor casou-se com a atriz em 1942, permanecendo com ela até 1993, ano em que o mundo se despediu do mestre do cinema.

Como em todas as obras de Fellini que assisti até agora (81/2, La Strada, La dolce vita e I clowns), Le Notti di Cabiria possui um ar circense o qual é evidenciado ao longo do filme através de alguns elementos, como o show de ilusionismo, os músicos da cena final, a trilha sonora que remete a temas circenses e o show em um bar.


A parceria Giullieta–Federico teve sua estréia no cinema em La Strada. Fellini adorou a atuação de Masina, mas os produtores estavam preocupados com a aparência da atriz, a qual não possuía os atributos físicos esperados de uma protagonista da época. Com a insistência do diretor, Masina conseguiu o papel.

Federico Fellini e Giulietta Masina

Em Le Notti di Cabiria, Masina se identificou muito com a personagem principal e talvez esse seja o motivo de uma atuação tão magistral. Le Notti di Cabiria é o melhor trabalho de Fellini que já vi. O grande diferencial do filme é sua protagonista. Cabíria, apesar de ser uma prostituta, carrega um ar de menina consigo. Quando ela insulta, parece uma criança emburrada; quando está feliz, não consegue esconder sua satisfação; quando está triste, é incapaz de segurar as lágrimas . Masina encarnou perfeitamente essa fantástica personagem; foi uma das melhores atuações que já tive a oportunidade de ver.


A inocência de Cabíria nos é exibida durante todo o longa. Sua ingenuidade aparece na primeira cena da película. A protagonista é apresentada como uma garota que acaba de ser roubada e abandonada por seu namorado, e é nesse momento que conhecemos a relação entre a personagem principal e o amo: essa acredita na existência desse na sua mais perfeita forma.


Há uma cena em que Cabíria encontra um ator famoso o qual , após uma briga com sua companheira, resolve sair com a protagonista. É lindo quando ela demonstra seu fascínio infantil diante da situação ao se deslumbrar com o glamour do mundo dos artistas e sair gritando para todos que está com uma celebridade; quando seus olhos brilham como os de uma criança ao perceber que está dentro da mansão de um astro do cinema; quando ela observa todo luxo contido naquela residência e compara inocentemente com sua humilde casinha.


Na cena em que ela vai a um show de ilusionismo, é magnífico como ela se deixa convencer a subir no palco, como ela cai nos encantos do ilusionista e se irrita com a platéia que ri da sua situação. Essa cena se revela uma das mais belas da obra. Cabíria sobe ao palco e é hipnotizada. O ilusionista a faz acreditar que ela está em um belo parque na companhia de um homem. Cabíria fica muito feliz, seu rosto esboça um sorriso sincero e puro; ela está tranqüila, tudo está bem; tudo está como deveria estar. O ilusionista, vendo que mexeu com o lado sensível de uma garota que está procurando um companheiro, a faz acordar. Quando ela desperta, percebe que tudo não passou de uma ilusão e enxerga todos rindo dela. A cena é brilhantemente construída; o tempo todo nos é mostrado apenas o local onde ocorre o espetáculo, no entanto, conseguimos ver e sentir o que Cabíria vê e sente. Fellini é genial ao transmitir de maneira perfeita os sentimentos que a protagonista experimenta.

Cabíria sendo hipnotizada

Há uma cena de caráter crítico/reflexivo que é mais discreta, mas me chamou muito a atenção. Após uma prossição em louvor à Virgem Maria na qual todos fizeram promessas, acenderam velas, gritaram e rezaram calorosamente em nome da santa, Cabíria e seus amigos se reúnem ao lado de fora da igreja. Cabíria, com a inocência de uma criança, exclama indignadamente que todos continuaram iguais. Após rezarem, gritarem, chorarem, se amontoarem e esmagarem uns aos outros dentro da igreja, tudo continuou igual; ninguém mudou. Uma cena discreta, mas que faz uma bela crítica à relação entre seres humanos e religião.


Le Notti di Cabiria é um filme genial. Masina consegue interpretar perfeitamente a contradição de uma criança em corpo de mulher que, devido ao acaso ou à miséria, virou uma prostituta; a relação desse paradoxo ambulante com o amor e as pessoas, além da sua inserção em uma sociedade torta e tumultuada. Genial.