Elefante (Elephant, 2003)

Gus Van Sant
Em um fórum, li uma declaração de uma participante a qual afirmava que Elephant era mais próximo de um quadro do que de um livro. Concordo com esse indivíduo. Já declarei várias vezes que considero o cinema uma experiência visual e – logo - admiro realizadores que enfatizam a aparência de suas obras. No entanto, a (super)valoração da estética é depreciada por alguns. A sétima arte está muito vinculada com a literatura, e, provavelmente, reside aí o desgosto de muitos por obras como Elephant (obviamente, estou tratando do desgosto daqueles que possuem um nível cultural acima da média, e não das vítimas da Globolização). Nos livros, o autor é capaz de se comunicar diretamente com o leitor, enquanto que nos filmes, o cineasta utiliza não apenas palavras para se expressar, assim, esse se comunica com o espectador de forma mais indireta. Quando a subjetividade surge e o silêncio dos gestos substitui as palavras, perde-se boa parcela do público. Às vezes, a falta de compreensão é a responsável por essa perda; em outros casos, o que ocorre é apenas a preferência do explícito ao implícito.
Elephant mostra a famosa tragédia do Columbine High School. O interessante é que Van Sant não foca sua história apenas no atentado em si, mas sim nas relações entre os jovens nas escolas estado-unidenses. Sou incapaz de afirmar que o cineasta revelou com perfeição o que se passa entre os muros dessas instituições norte-americanas, pois nunca estudei em uma (aí reside uma questão interessante; nos colégios do mundo inteiro há problemas de convívio, mas nos Estados Unidos esses parecem ser mais acentuados – parecem, pois em diversos filmes de todos os gêneros o universo estudantil ianque se revela extremamente perverso. O que nos é passado nas películas é real – utilizando de argumento que a arte é o reflexo da vida – ou é apenas uma hipérbole cinematográfica da problemática discente global?); no entanto, posso dizer que as relações mostradas pelo cineasta são, no mínimo, plausíveis. Os vários universos de uma high school são exibidos de forma muito humana na película de Van Sant.

A lente do cineasta abusa da delicadeza e enriquece a obra com uma sensibilidade magistral. Através de diferente tipos de jovens, observamos uma mesma realidade, mas sob perspectivas diferentes; é genial como as formas do ambiente transmutam sob cada novo olhar. O desenvolvimento de cada personagem mostrando seu cotidiano e problemas através de uma proximidade literal – a câmera mostra sempre as personagens com muita proximidade - e figurativa – a distância mostrada pela câmera cria uma atmosfera intimista e humana que, inevitavelmente, nos envolve – acaba servindo também para, além de nos mostrar a vida nos corredores de uma escola estado-unidense, tornar a tragédia ainda mais trágica, afinal, tomamos conhecimento de uma parcela das existências interrompidas (aliás, aí está o porquê do título do filme; trata-se de uma parábola budista sobre cegos avaliando um elefante; eles afirmam, equivocadamente, compreender totalmente o animal a tocar em apenas uma parcela dele. Gus Van Sant não quis mostrar o elefante existencial de cada estudante, mas sim apenas uma fração desse). Devido a isso, há quem considere Elephant um soco no estômago – Marcos Ribeiro, do blog Epipocando pediu para eu incluir essa excelente obra na série “soco no estômago”. No entanto, o que senti no filme não foi um flagelo agressivo da minha alma, mas sim uma enorme tristeza; é complicado rotular sentimentos, mas o que a película me passou quando a revi ontem à noite me impediu de inserí-la na série existencialmente masoquista.
A sétima arte encontra dificuldades para se mostrar como uma forma de expressão singular, e Gus Van Sant conseguiu superar essas. Elephant não funcionaria como outra manifestação artística. Um quadro não conseguiria tratar tão bem das relações humanas, enquanto que um livro não conseguiria descrever tão harmonicamente as cenas criadas pelo cineasta bifásico. Elephant é cinema.
