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segunda-feira, 26 de julho de 2010

soco no estômago 05 (VI Fantaspoa)



Vida e Morte de Uma Gangue Pornô (The Life and Death of a Porno Gang, 2009)

Direção: Mladen Djordjevic

Roteiro: Mladen Djordjevic



Terça-feira passada, dia 13, fui à sala de cinema CineBancários para assistir ao filme Vida e Morte de uma Gangue Pornô, obra a qual, no dia 21, teve anunciada sua conquista do prêmio de Melhor Filme segundo o Júri Oficial no VI Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre (o famoso Fantaspoa). Por se tratar de uma película de horror que participa do Fantaspoa e que possui o vocábulo “pornô” no título, já esperava que alguns litros de sêmen e de sangue jorrassem da tela e que a trasheira ocorresse indiscriminadamente no decorrer da sessão; entretanto, o longa ao qual assisti transcendeu o limite pudico e sanguinolento o qual eu havia traçado previamente em minha cachola.


Vida e Morte... mostra a história de Marko (Mladen Djordjevic), cineasta frustrado que se envolve com o mundo pornô, a princípio por questões financeiras, mas, depois, com uma intenção artística. Marko, após trabalhar para um diretor de filmes adultos e se desentender com o tal, monta um grupo itinerante formado por bizarras figuras que realiza apresentações em pequenas cidades interioranas. Um ricaço convida a excêntrica turma do cineasta a gravar snuffs – o termo se refere a gravações destinadas a um seleto grupo, as quais registram reais assassinatos. Como o dinheiro oferecido era alto e as vítimas seriam voluntárias, a gangue pornô de Marko aceita gravar os vídeos.



Encaro Vida e Morte... como uma sátira/homenagem a cinefilia. Marko anseia criar cinema-arte; isso é perceptível em seu curta gravado na faculdade de cinema o qual provavelmente é uma referência a Eraserhead (David Lynch, 1976), tanto pela fotografia em preto-e-branco, como – principalmente – pela cabeça de porco assada que move suas mandíbulas, encara o protagonista do curta – interpretado pelo próprio Marko – e emana um líquido viscoso de suas entranhas – remetendo ao inesquecível frango que Henry (do primeiro longa de Lynch) encontra em seu prato. Mas o curta de Marko é apenas um detalhe de seu amor pela sétima arte; a maior prova do fascínio da personagem principal de Vida e Morte... é a tentativa (frustrada) da inserção de questões sociais e existenciais no meio de suas vulgares apresentações pornôs. Simbolismos, diálogos que exibem o reflexo da alma, cenas que retratam a condição humana, todos esses pomposos temas e abordagens ficam diluídos no suor, sujeira e fluidos corporais da pornografia de Marko.


Eraserhead (David Lynch, 1976)

Marko atinge seu auge artístico nos snuffs ao incluir monólogos dos voluntários nos quais esses explicam o porquê da desistência da vida. No entanto, como em todo o longa, o tocante discurso dos pseudo-suicidas fica em segundo plano, ofuscado pela brutal matança.

Vida e Morte... extrapola a margem pornográfica a qual seu título propõe com cenas que passam pela zoofilia e pelo sexo explícito; a película também abusa das cenas regadas a sangue e sofrimento as quais foram propiciadas pelos snuffs. A pornografia e – principalmente – a matança perturbam o espectador; entretanto, a surra a qual fui submetido não me agradou, pois senti a falta de uma intenção maior, ainda que essa fosse racionalmente inexplicável. Careci de sentir (mas não entender) uma base artística maior para a obra. Irreversível (Gaspar Noé, 2002), Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1971), Funny Games (Michael Haneke, 2007), Seul contre Tous (Gaspar Noé, 1998), Anticristo (Lars Von Trier, 2009) e tantos outros longas possuem uma intenção ao nos flagelar, ainda que esse propósito seja semanticamente intangível. Vida e Morte de uma Gangue Pornô é um soco no estômago gratuito.


Mladen Djordjevic (diretor, roteirista e protagonista de Vida e Morte...) é Marko, não em relação à atuação, mas a respeito da estrutura da obra. Mladen revela seu melhor desempenho no momento em que Marko mais se aproxima do cinema-arte ao qual esse tanto ansiava, mas também peca quando sua criação se equivoca. O fato de que Mladen interpreta Marko fortifica esse ponto de vista. Entretanto, os erros de Mladen, ao contrário dos erros de Marko, são intencionais. Marko teve a intenção de criar uma obra que perturbasse (ainda que gratuitamente), que errasse, que misturasse o refinado e o vulgar. O cineasta da realidade erra e acerta simultaneamente. Djordjevic intencionou ser Marko, fazer um tosco cinema-arte misturado com porra e sangue, uma obra pretensiosa frustrada, uma arte calcada nos paradoxos. Entretanto, não me atraiu essa arte vazia, ainda que intencional.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Alice no lamentável país das maravilhas

Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, 2010)

Direção: Tim Burton

Roteiro: Linda Woolverton, Lewis Carroll


Aviso: contém spoilers desse lamentável filme


Patético. A releitura timburtoniana de Alice no País das Maravilhas e Alice no País dos Espelhos (afinal, Tim Burton’s Alice in Wonderland não é uma reprodução cinematográfica de nenhum dos dois títulos) foi extremamente aguardada. Comentava-se ela na internet, na TV – houve uma matéria no Fantástico sobre o filme –, nas revistas, jornais, rádios, enfim, em todas as mídias. Assim, antes mesmo de sua estréia, a película já tinha virado febre, chegando a influenciar a moda. Após seu lançamento, todas as bocas que gritavam notícias sobre a obra se calaram. Estranhei o nítido contraste entre sua espera e sua estréia e, a fim de ver o porquê do brusco silêncio, dirigi-me ao cinema.


Tim Burton

O filme começa com cenas piegas, na qual o pai de Alice mostra seu doce amor a sua meiguíssima filhota e esboça um belo e emocionantíssimo discurso elogiando a loucura (“all the best people are mad”, passagem que deve ter sido abraçada calorosamente por inúmeros adolescentes que se consideram doidinhos). Alguns anos depois, após a morte da figura paternal, Alice vai a uma festa a qual era, na verdade, cerimônia na qual seria pedida em casamento – fato que a protagonista viria saber apenas no decorrer do evento. Lá, ela se vê em um dilema, pois não quer casar com seu pretendente, pois não o ama; no entanto, sua família insiste para que a protagonista se ligue pelo casamento com o aspirante a marido (alguém já não viu essa história em algum lugar?). Quando Alice é pressionada a tomar uma decisão ao ter sua mão pedida em público, ela, ao observar um coelho correndo, o segue, fugindo assim da multidão que esperava sua resposta. Ao seguir o coelho, a personagem principal cai em um buraco e, então, entra em Wonderland.

Esperava que se iniciasse, nesse momento, a parte psicodélica do filme, o tão esperado resultado da interpretação que Tim Burton daria à obra de Lewis Carrol, a explosão criativa do resultado da fecundação dessas duas tortuosas mentes. Infelizmente, todas minhas expectativas se esvaíram trágica e lentamente no decorrer da torturante obra. Burton destruiu Wonderland ao transformar esse rico universo em um lugar que abusa das tecnologias, mas carece de criatividade; os cenários eram o profundo reflexo dessa moderna carência da capacidade de criar e ousar. O mais lamentável é que a obra tinha um potencial enorme para ser exatamente o contrário do que se passou na tela.


As personagens também foram completamente lamentáveis, inclusive o esperado Mad Hatter, interpretado por Johnny Depp. Em momento nenhum eu esperava que explorassem profundamente as figuras dramáticas da obra, mas aguardava ansiosamente por inventividade e trejeitos marcantes. Todavia, as peças que solidificavam a película eram vultos acinzentados que vagavam em um quadro branco, tridimensional e caro, murmurando falas pessimamente escritas, as quais tinham a pretensão (bem sucedida) de terem suas sílabas clonadas nas cordas vocais de jovens apreciadores do mais barato – intelectualmente falando - lixo.


A Alice de Burton percorre uma aventura completamente simétrica e com um norte muito bem definido. A jovem garota deve, para salvar Wonderland, derrotar o Jaguadarte, criatura pertencente à Rainha Vermelha (o lado negro do maniqueísta universo do filme) com a Espada Vorpal, a fim de que a Rainha Branca (a face branca da maniqueísta película) tome o lugar da Rainha Vermelha. Ou seja, assim como disse um amigo meu, Alice percorre uma quest.



Um momento lamentavelmente marcante no filme é a extremamente (utilizo muito o vocábulo anterior, mas nesse momento gostaria de elevá-lo à enésima potência, tamanho é meu desprezo) digna de escárnio dança realizada por Johnny Depp, o Futterwacken. No final do filme, após voltar para o mundo real e recusar casar-se com o sujeito que havia lhe pedido a mão, Alice também reproduz o Futterwacken, no entanto, de modo extremamente (novamente gostaria de elevar o último vocábulo a enésima potência) embaraçador. Raramente sinto vergonha por terceiros, mas nesse caso foi inevitável, já que a extravagância da protagonista era ridiculamente artificial; era uma excentricidade muito bem ensaiada, polida e lustrada.


No decorrer da película, comparei a Alice... de Burton com vários filmes; a comparação que melhor demonstra meu sentimento é a entre essa obra e Labirinto(1986), de Jim Henson. No filme de 1986, a criatividade é gritante, devido às criaturas marcantes, ousadas e inventivas, e aos cenários muito bem desenhados, engenhosos e encantadores. Acredito profundamente que Burton não tentou copiar Henson, mas me arrisco a declarar que Alice no país das maravilhas é um Labirinto frustrado.


Alice no País das Maravilhas é o puro retrato da carência criativa do contemporâneo mainstream cinematográfico, uma indústria que está fodendo para o resultado artístico de suas realizações, e se preocupa somente com o resultado financeiro delas. O que está mandando na sétima arte é o dinheiro, e não a criatividade. A conseqüência da inversão dessa pirâmide é a decadência do considerado cinema-arte. Entretanto, sustentar uma película com efeitos caríssimos e não com idéias parece ser um modelo de cinema muito bem recebido pelo público; Alice no País das Maravilhas é a maior bilheteria de abertura da Walt Disney no Brasil. Não grito por um fim ao consumo do mainstream, mas por um apreço consciente.


P.S:Recentemente descobri a existência de uma versão de Alice... feita por Jan Svankmajer, um artista surrealista checo, o qual, ironicamente, influenciou Burton. Ainda não tive a oportunidade de ver sua versão, mas vi alguns vídeos dela no YouTube, e me impressionei com o trabalho, que se mostra criativo, minimalista e envolvente. Se alguém conhece essa obra, comente sua opinião acerca dela.







segunda-feira, 31 de maio de 2010

Verdadeiros jovens

Antes de iniciar uma nova análise de um filme, gostaria de me desculpar pela longa ausência. Tratarei melhor sobre o assunto em um próximo post. Agradeço àqueles que continuaram frequentando o it was RED durante esse período. Abraço a todos, e bom texto!
Entre os muros da escola (Entre les murs, 2008)

Direção: Laurent Cantet

Roteiro: Laurent Cantet, Robin Campillo e François Bégaudeau






O que são os jovens? Ou melhor, como são os jovens? O cinema já nos exibiu inúmeros lamentáveis retratos dessa fase da vida. Às vezes observamos retratos nos quais constam indivíduos com uma carcaça imatura, mas com um intelecto adulto; quando isso não consta, deparamo-nos com clichês ambulantes. A sétima arte nos mostra, na grande parte das vezes, tudo, menos a verdadeira juventude. Essa inverossimilhança ocorre, principalmente, porque grande parte das películas que mostram a adolescência está inclusa no gênero “teen film”, categoria que engloba nobres títulos, como: American Pie, Crepúsculo, High School Musical e outros enlatados massificados. Esse lamentável estilo, destinado a um barato grupo adolescente, abusa dos estereótipos; todo ser humano conhece as personagens de um teen film. Há o geek, o capitão do time de futebol americano, a líder de torcida, etc. É óbvia a existências desses grupos nas escolas do mundo inteiro, no entanto, um indivíduo é muito mais do que um rótulo; simplificar uma personagem à imagem padronizada dos grupos é, infelizmente, recorrente nesse tipo de filme.


Felizmente, existem as exceções. Elephant é uma delas; essa película, a qual já comentei aqui no it was RED, mostra os adolescentes em grupos sociais, e faz isso sem reduzir as personagens à caracterização de seus respectivos filos. Outra obra que revela a realidade da juventude é Entre les murs.

Vencedor da Palm d’Or em Cannes, o filme mostra as relações entre alunos e professores em uma escola da França. Nos é exibida, principalmente, a relação entre o professor François Marin e sua turma.

Cannes, 2008

Ao assistir Entre les murs, senti-me realmente em uma escola; a semelhança com a realidade é encantadora, justamente porque os alunos possuem a mentalidade de alunos. Os jovens carecem de maturidade em vários aspectos, como adolescentes normais de uma escola; essa carência é aflorada, por exemplo, nos momentos em que a aula aborda uma temática sexual, em forma de risinhos descontrolados. Os alunos, no entanto, não são completos babacas, pois participam constante e calorosamente das discussões que surgem em classe. Os jovens não são adultos em corpos joviais, mas também não são vegetais despidos de opinião. Eles são jovens.

Outra virtude do filme está no professor. Seria fácil – e ponto comum – inserir um professor bondoso e simpático que se doasse de corpo e alma à turma e que tentasse mudar a realidade a qual se revela diante dele. Tão simples e clichê seria o mestre diametralmente oposto, o qual só deseja o mal para os alunos. François Marin, interpretado por François Bégaudeau – autor do livro no qual Entre les Murs é baseado -, é o exemplo de um professor normal. Se o que estamos acostumados a ver nas salas de aula da vida real é um corpo docente formado por indivíduos comuns, o que raramente vemos na tela do cinema é o reflexo disso. Vemos ou professores magníficos, ou tiranos. François Marin é uma personagem que, de modo sutil, mostra-se, basicamente através de sua expressão corporal, insegura. Olhares esquivos que procuram o chão, e gestos imprecisos pontuam esse excelente retrato do professor.

François Bégaudeau

Interessante também o retrato que Entre les murs faz do corpo docente, um universo o qual é estranho à maioria dos espectadores. É interessante o torto relacionamento dos professores, que ora toma a forma de uma amizade normal – como na cena em que os professores comemoram a gravidez de uma funcionária -, ora assume um formato próximo a uma inimizade – como quando os professores não encontram uma opinião unânime em relação aos assuntos educacionais.

Se os dois lados de uma escola – corpo discente e docente – são excelentemente revelados, a relação entre esses dois é igualmente excelente. As falhas na comunicação entre François e sua turma são evidentes; as dificuldades em transmitir algumas idéias aos alunos surgem constantemente na película.

Entre les murs revela os percalços existentes na carreira de um professor, as responsabilidades inerentes a essa profissão formadora de intelectos, e as decisões tomadas por esses profissionais as quais podem alterar profundamente a vida dos alunos. A máscara dos grupos sociais dos jovens é retirada, e o que nos é revelado na sua verdadeira face é a mais bela realidade. Assistir a essa película é ter a chance de compreender a complexa relação entre os dois lados da complexa relação aluno-professor.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Paris, Texas

Paris, Texas (Paris, Texas, 1984)
Direção: Wim Wenders
Roteiro:
L.M. Kit Carson, Sam Shepard

Quão árdua é a tarefa de fazer um filme que toque sem ser piegas. Há milhares de películas as quais, a fim de tocar o espectador, exageram na emoção e acabam banalizando essa. Dentro dessa lista inclui-se a faceta adocicada de Gus Van Sant, Invictus, Titanic, e tantos outros títulos que são amados por inúmeras pessoas. A emoção barata encontra seus pilares na trilha sonora excessiva e pegajosa – Invictus é um excelente exemplo -, nos sentimentos vindos de um coração arregaçado e em takes previsivelmente exagerados – uma das cenas finais de Finding Forester (a qual não descreverei a fim de evitar spoilers) ilustra perfeitamente minha idéia. O que, na maioria das vezes, falta no gênero drama é – ironicamente – humanidade. Um ser humano não demonstra sua carga emocional vomitando um discurso piegas em cima do outro; ele revela seu íntimo por meio de sutilizas, expressões, gestos. O que já é lamentável no roteiro, afunda-se mais ainda ao encontrar na direção uma preferência por cores claras e amenas que se exibem em uma paisagem bela e ensolarada; mesmo quando há a tentativa de mostrar um local sujo, esse é exibido de uma maneira limpa – é como uma patricinha de 12 anos que rasga a calça nos joelhos para mostrar seu lado “punk” (as famosas punkizinhas – denominação conceitualmente contraditória). Como se isso não bastasse, na edição o que já era meloso fica insuportável, ao ser acrescentada uma trilha sonora lamentável a essa receita indigesta.

No entanto, filmes são filmes e realidade é realidade. Nunca vi um fauno, muito menos uma chuva de sapos , mas sou apaixonado por Labirinto do Fauno e Magnólia. Às vezes a incoerência com o real ocorre de modo mais sutil, como nas matanças tarantinescas e no universo coloridíssimo de Almodóvar. Mas se a arte não deve ser uma reprodução fiel da realidade, em que se baseia minha crítica? Aí entra o aspecto fundamental da arte: subjetividade. Percebo em dramas hollywoodianos a frustrada tentativa de mostrar a realidade, a “complexidade” do ser humano. Por que considero Almodóvar um gênio, e não cubro de elogios a falsidade de filmes como esses? Pelo mesmo motivo que glorifico Dalí e não prestigio uma criança de 7 anos que está aprendendo a desenhar. Ao analisar os desenhos de um garoto, é notável a tentativa de reproduzir o que ele enxerga, mas, no entanto, essa acaba esbarrando em aspectos como a perspectiva – desenhos infantis normalmente são em duas dimensões -, traços grosseiros, etc. A criança tentou reproduzir o que enxergava, mas não o fez com sucesso. Ao observar Dalí, é gritante a não-tentativa de reproduzir a realidade; em momento algum seus quadros passam a impressão de um projeto falho. Essa comparação é aplicável a toda a Arte Moderna – o mundo não é os cubos de Picasso, nem os rabiscos de Pollock.

Vista a tempestade que paira sobre o gênero drama, é digna de atenção uma película que emocione de verdade. O filme em questão é Paris, Texas, de Wim Wenders – cineasta o qual venho descobrindo.

A história de Travis - um homem sem memória que é abrigado por seu irmão, Walt, o qual está cuidando do filho de Travis, Hunter – é um prato cheio para ser um drama-pegajoso-irritante. O protagonista surge no início da película vagando por Texas; lá, após ser encaminhado a um hospital, é levado por Hunter – o qual foi convocado por um médico – para sua casa em Los Angeles. À cidade que é normalmente - e clichemente – relacionada a sol, luxo e beleza, Paris, Texas prefere exibir um local pobre e rústico, mas que, ainda assim, oculta certa harmonia.

O longa começa esboçando a problemática de um homem, mas no seu desenrolar, acaba tecendo a relação entre pai e filho. Logo que criei o it was RED, li no blog “Acento Negativo” um post o qual mostrava os inesquecíveis pais do cinema, pois na data era dia dos pais. Se hoje fosse responder, citaria o nome de Travis. O mais incrível na personagem é sua organicidade; Travis possui defeitos os quais são revelados de maneira humana. O pai que não observou seu filho crescer mostra uma sincera e natural vontade de se reconciliar com a criança. O maior trunfo de Paris, Texas é o retrato magnífico da relação entre pai e filho; as cenas que exibem esse relacionamento são extremamente belas. Um excelente contraponto para a relação pai e filho em Paris, Texas, é a de O Paizão. Nesse filme, Sonny Koufax – personagem de Adam Sandler - apesar de não ser pai biológico, assume o papel de protetor de Julian. Tanto Sonny quanto Julian possuem defeitos, como qualquer outro indivíduo; no entanto, isso ocorre de maneira artificial. As imperfeições dos dois não são frutos de seus conflitos pessoais; elas foram incrustadas em seus espíritos. Travis e Hunter são personagens incríveis que enriquecem demasiadamente a película.

Wim Wenders não foca sua lente apenas na relação entre Travis e Hunter. Também é questionado o medo de Walt e sua mulher de perderem o garoto, pois até então eles criavam a criança. Além disso, Travis pretende reencontrar sua esposa Jane para, junto com Hunter, formarem novamente uma família.

Se as obras cinematográficas melosas possuem uma trilha sonora exagerada, tocada por uma orquestra gigantesca a qual esfrega acordes menores incessantemente nos ouvidos do espectador, em Paris, Texas ocorre o oposto. O que a audição capta nesse maravilhoso filme é uma trilha formada por músicas tocadas basicamente por um violão de aço o qual abusa – com grande gosto – dos slides. Esse violão acentua o tom reflexivo das imagens do filme.

Paris, Texas é um magnífico retrato, não apenas da relação pai-filho, mas – muito além disso – do ser humano. A película revela a complexidade das relações pessoais e a ausência de simplicidade no desfecho dos problemas da vida não só nas palavras, mas –principalmente – nas imagens.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Em uma escaldante noite de fevereiro (A estúpida visão sobre a sétima-arte)

Em uma escaldante noite de fevereiro, estava eu atirado em minha cama a procura de algo decente que estivesse passando na TV. Mesmo prevendo o fracasso da minha jornada - afinal 90% do que se concentra nesse entretenimento massificado é desprezível -, movido por algum impulso irracional, continuei zapeando. (In)Felizmente encontrei algo que considerava inicialmente assistível. Tratava-se do Manhattan Connection, uma espécie de mesa redonda na qual se debatem "n" assuntos, entre eles cinema. Sentados à mesa estavam cinco sujeitos: Diogo Mainardi – famoso redator da revista Veja -, Ricardo Amorim, Lucas Mendes – o líder da mesa -, Caio Blinder e Pedro Andrade. Antes do programa, não tinha nenhuma opinião formada sobre os integrantes daquilo que eu descobria ser a Assembléia Do Pedantismo E Da Ignorância (API). Meu desprezo começou a tomar forma quando se iniciaram as discussões políticas, na qual os participantes opinavam de maneira débil e pretensiosa; um dos comentários mais infelizes foi o de Diogo Mainardi – escritor que, até aquele momento, era indiferente a mim, mas agora eu o repudio -, que disse “socialismo é coisa de analfabeto”. Os outros integrantes da API eram um pouco mais sensatos que Diogo, e discordaram da sua opinião.


Assim como um indivíduo que pega um filme no meio e que não acompanha o nome das personagens, eu não sabia o nome dos integrantes da mesa. Assim, criei natural e mentalmente um apelido para um sócio da API. Diogo Mainardi não necessitava de um cognome, pois já o conhecia; Pedro Andrade foi mencionado no decorrer do programa, assim tomei conhecimento de como ele se chamava; Caio Blinder e Lucas Mendes não possuíam nenhuma notável característa da qual se pudesse extrair uma designação alusiva a ela; Ricardo Amorim, devido a sua notável arcada dentária extremamente alva – nunca na minha vida eu havia visto dentes tão claros –, foi mentalmente batizado de Dente Branco (o nível de claridade de sua guarnição maxilar era tão elevado quanto o seu pedantismo; sua dentição era a manifestação física de sua pateticidade; ele poderia perfeitamente ser uma das personagens pedantes que constantemente aparecem nos filmes de Woody Allen – com a única diferença de que Amorim não possuía nenhum conhecimento.). Devo admitir que um dos membros da Assembléia não merecia estar lá; Pedro Andrade fazia comentários sensatos e parecia ter pesquisado sobre os tópicos do programa, ao contrário dos outros, os quais provavelmente foram dominados por uma absurda auto-confiança prepotente, a qual os fez julgar não necessária a busca por conhecimento sobre os assuntos a serem debatidos na mesa.

Ricardo Amorim, o Dente Branco (infelizmente, não encontrei nenhuma foto na qual a sábia figura exibisse sua bela arcada dentária)

Mas o que isso tem a ver com a sétima arte? Como disse no primeiro parágrafo, um dos assuntos debatidos no programa é cinema. A vítima dessa arte pela qual sou apaixonado a que eu assisti ser açoitada foi A Fita Branca, último longa de Michael Haneke. O cineasta me encantou com Funny Games U.S e Caché; além disso, já conheço a fama de sua última obra, a qual ganhou a Palm d’Or no Festival de Cannes (premiação a qual eu respeito muito) e o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro (essa premiação já não tem meu apreço). Pedro iniciou a discussão fazendo um belo comentário sobre o filme, dizendo que Haneke buscou uma estética clássica para a película. Dente Branco e Diogo não entenderam o comentário, e pensaram – se é que aqueles dois seres pensam – que o diretor pretendia que sua obra fosse um clássico, pretensão a qual Pedro jamais incluíra em seu comentário. O resultado da ignorância dos dois mais nobres membros da API foi uma seção de piadas cretinas sobre a falsa arrogância de Haneke. Espero que os outros espectadores tenham detectado o mal entendido, mantido suas mentes intactas após aquela lavagem cerebral putrefata, e não distorcido a imagem do austríaco. Outro trecho do debate o qual me irritou profundamente foi quando perguntaram a opinião de Diogo sobre Haneke. Mainardi disse que havia apenas visto um filme sobre dois garotos que entravam em uma casa e torturaram a família (ele estava referindo-se a Funny Games). O redator da Veja disse que havia achado o filme muito parado – acho que ele está mais acostumado com enlatados estadunidenses – e que o cineasta retratava de coisas muito pesadas – declaração que confirma meu pensamento anterior – e não o achava normal por causa disso. Definitivamente não suporto quem confunda a obra do realizador com o próprio realizador – ou quem não consegue distinguir o gosto do indivíduo e o próprio indivíduo. Ilustrando minha idéia: Chan Wook-Park não é um sanguinário por ter filmado Oldboy, e quem assistiu a Trilogia da Vingança não é um feroz assassino. Em uma declaração de Guillermo Arriaga – roteirista da Trilogia da Perda, filmada por Alejandro Gonzalez Iñarritu – mostrava sua falta de apreço por indivíduos artisticamente sádicos, como Quentin Tarantino. O desrespeito ao gosto dos outros devido a uma tentativa frustrada de transmitir benevolência a qual se transforma em uma cegueira cultural é de uma inocência ímpar. Não bastasse isso, Caio Blinder começou a dizer erroneamente que o nome da película a qual Diogo Mainardi se referia era Caché; Pedro Andrade educadamente tentava retificar o colega, falando que o nome do filme era Funny Games. No entanto, as tentativas do singular membro da API foram em vão, pois Blinder não apenas dizia o que ele pensava ser o nome do filme, ele metralhava o equivocado título em cima de todos. A Assembléia parecia um zoológico com aquela saraivada de equívocos; isso apenas comprova a jactância dos componentes da mesa ao não pesquisarem sobre os assuntos debatidos.

Para finalizar a discussão cinematográfica, Dente Branco declarou que filmes como os de Haneke não eram divertidos, mas que divertido era Avatar. Por tratar-se do intelecto de Ricardo Amorim, não traduzi a frase como um sarcasmo, mas sim como uma afirmação que revela o vácuo que há na caixa craniana desse ser humano. Pedro Andrade reproduziu meu pensamento de que A Fita Branca pode ser muito mais divertido do que Avatar para alguns.

A mídia brasileira televisiva está fadando seus telespectadores à eterna ignorância. Enquanto esses não abrirem seus olhos para a lavagem cerebral que sofrem, a cena cultural nacional será sempre a mesma: a valorização da cultura vazia, reproduzindo a idéia de que a arte que nos faz pensar é chata, entediante, monótona. A TV vende o Rebolation, vende os blockbusters, vende o vazio cerebral. O pior de tudo: há quem compre. Para a apreciação da verdadeira arte – pois não considero arte vazia uma arte – é necessário uma mudança de mentalidade que é feita com o questionamento sobre aquilo o que nos é oferecido na TV. A televisão é – em suas devidas proporções – a nossa teletela de 1984, de Gerge Orwell.


domingo, 7 de fevereiro de 2010

Ascensor para o cadafalso (e o escritor filho da puta)

Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l'échafaud, 1958)
Roteiro: Roger Nimier, Louis Malle, Noël Calef

Direção: Louis Malle

Um dos melhores filmes ao qual ultimamente tive o imensurável prazer de assistir foi Ascenseur pour l'échafaud, o primeiro longa de Louis Malle. Aluguei a película por acaso, pois pretendia apenas conhecer alguma parcela do extenso trabalho do cineasta francês; minha sede foi aguçada quando em Los abrazos rotos (2009), de Pedro Almodóvar, a personagem Harry Caine (Lluís Homar) faz uma citação da obra de Malle. A preferência do realizador do qual sou fã catalisou minha curiosidade e inseriu uma obra-prima da sétima arte em meu aparelho de DVD.
Felicíssima decisão a qual tomei de não ler as sinopses contidas nos versos dos DVD's. Qual é a dificuldade de escrever um resumo de uma trama sem revelar o desfecho de pequenas questões levantadas no decorrer dela? Após assistir a Ascenseur pour l'échafaud, fiz um experimento rotineiro em minha vida cinéfila: mensurar minha indignação com a síntese das películas. O resultado foi um dos mais decepcionantes já diagnosticado em meu laboratório fílmico, pois o longa de Malle possui um roteiro extremamente engenhoso que constitui suas engrenagens de pequenas trágicas surpresas as quais, no escoar do filme, compõem um quadro mais trágico ainda; cada diminuto ato inesperado é um pequeno tragi-fragmento de um catastrófico mosaico genialmente elaborado. Entretanto, o que deveria ser uma abreviada descrição sobre a obra acaba se estendendo e cobrindo todos imprevistos que surgem no primoroso artefato constituído desses. Se o mosaico ao qual contemplamos é formado por surpresas, o objeto artístico se estilhaça com a perda dessas. Alguns cinéfilos, infelizmente, foram vítimas de um filho da puta que, em algumas 10 linhas, fez o feito de destruir o que poderia ser uma excelentíssima experiência cinematográfica. O pior de tudo é que o escritor imbecil foi pago pela sua chacina em forma de texto. Um texto-bomba. Filho da puta.

Louis Malle

Se eu fosse o responsável pela sinopse de Ascenseur pour l'échafaud escreveria apenas: “O genial retrato sobre indivíduos que se fodem”. O verbo foder, com exceção da conotação sexual, nunca poderia ser tão perfeitamente utilizado. Não há outra expressão que retrate de modo mais perfeito o catastrófico destino das personagens do horrivelmente belo mosaico do ex-assistente de Robert Bresson (sim, Malle assistiu o renomado diretor de Pickpocket (1959)). Louis revela detalhadamente a queda de um homem; o trágico destino dos indivíduos retratado no roteiro é ilustrado de modo magistral com elegantíssimas imagens em preto e branco – a película não funcionaria tão bem em cores. O roteiro do filme traça uma diretriz racionalmente tangível das nossas emoções, as quais explodem dentro de nós no decorrer dessa obra de arte.

Não posso deixar de comentar a excelente atuação de Jeanne Moreau e a incrível trilha sonora de Miles Davis. A fascinante atriz está presente em inesquecíveis cenas, como a da abertura, na qual sua personagem declara emocionadamente repetidas vezes ao telefone: “J’taime”. Moreau consegue expressar silenciosamente e verbalmente o tom trágico da película. A música de Miles ilustra sonoramente a obra do cineasta excluído da nouvelle vague (Malle foi rejeitado da panelinha do movimento francês, pois possuia um estilo diferente dos representantes; interessante ver um realizador que foi marginalizado, mas mesmo assim conquistou seu espaço na sétima arte).


Jeanne Moreau

Falar –precisamente escrever – sobre Ascenseur pour l'échafaud é uma contradição em forma de texto. Se o escritor da infeliz sinopse redigiu um texto-bomba, eu escrevi um texto-paradoxo. Resenhei a película sem comentar praticamente nenhum aspecto do roteiro; ao invés de me prender à trama, foquei-me quase que exclusivamente nas qualidades de toda a obra. É como se eu estivesse descrevendo uma belíssima mulher a um amigo e dissesse “ela é linda, maravilhosa, uma das mulheres mais belas que já vi”, meu amigo me indagasse “mas como ela é? Loira, morena, ruiva? Os olhos são de que cor? Conte-me mais sobre ela!” e eu permanecesse apenas descrevendo as qualidades da mulher, pois sua formosura está contida em seus surpreendentes traços; se eu revelasse a cor dos seus cabelos e olhos, o formato de boca e rosto, estaria destruindo toda sua complexa harmonia. Espero que meu amigo leitor entenda que boa fração de, não apenas beleza, mas genialidade de Ascenseur pour l'échafaud está no mistério de suas feições. Meu texto, em contraponto ao texto-bomba do Filho da Puta, é, acima de um texto-paradoxo, um sincero desejo de que outros cinéfilos tomem conhecimento dessa formosíssima mulher, desse comovente mosaico, dessa complexa engenhoca, dessa genial tragi-película.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Elephant, Gus Van Sant, Cinema & Literatura

Primeiramente gostaria de dizer que estou de volta, após uma longa ausência devido a uma excelente viagem. Sem mais delongas, aqui está o segundo texto de 2010.


Elefante (Elephant, 2003)

Direção: Gus Van Sant

Roteiro: Gus Van Sant

Gus Van Sant é um cineasta que possui duas facetas completamente distintas. A primeira, composta por traços leves, rasos, facilmente assimiláveis e excessivamente doces, é exibida em longas de cunho comercial como Finding Forrester (2000) e Good Will Hunting (1997); esse semblante, ao simplificar e açucarar demasiadamente suas feições – tanto na estética das obras, quanto no roteiro -, mostra-se pouco atrativo e às vezes até clichê. O outro lado do estado-unidense é marcado por uma beleza ímpar; Van Sant transforma sua câmera em um pincel e compõe excelentes quadros que retratam de maneira extremamente harmônica algumas das diversas condições da natureza humana. Essa segunda vertente está claramente presente nas películas Paranoid Park (2007) e Elephant (2003).


Gus Van Sant


Em um fórum, li uma declaração de uma participante a qual afirmava que Elephant era mais próximo de um quadro do que de um livro. Concordo com esse indivíduo. Já declarei várias vezes que considero o cinema uma experiência visual e – logo - admiro realizadores que enfatizam a aparência de suas obras. No entanto, a (super)valoração da estética é depreciada por alguns. A sétima arte está muito vinculada com a literatura, e, provavelmente, reside aí o desgosto de muitos por obras como Elephant (obviamente, estou tratando do desgosto daqueles que possuem um nível cultural acima da média, e não das vítimas da Globolização). Nos livros, o autor é capaz de se comunicar diretamente com o leitor, enquanto que nos filmes, o cineasta utiliza não apenas palavras para se expressar, assim, esse se comunica com o espectador de forma mais indireta. Quando a subjetividade surge e o silêncio dos gestos substitui as palavras, perde-se boa parcela do público. Às vezes, a falta de compreensão é a responsável por essa perda; em outros casos, o que ocorre é apenas a preferência do explícito ao implícito.


Elephant mostra a famosa tragédia do Columbine High School. O interessante é que Van Sant não foca sua história apenas no atentado em si, mas sim nas relações entre os jovens nas escolas estado-unidenses. Sou incapaz de afirmar que o cineasta revelou com perfeição o que se passa entre os muros dessas instituições norte-americanas, pois nunca estudei em uma (aí reside uma questão interessante; nos colégios do mundo inteiro há problemas de convívio, mas nos Estados Unidos esses parecem ser mais acentuados – parecem, pois em diversos filmes de todos os gêneros o universo estudantil ianque se revela extremamente perverso. O que nos é passado nas películas é real – utilizando de argumento que a arte é o reflexo da vida – ou é apenas uma hipérbole cinematográfica da problemática discente global?); no entanto, posso dizer que as relações mostradas pelo cineasta são, no mínimo, plausíveis. Os vários universos de uma high school são exibidos de forma muito humana na película de Van Sant.




A lente do cineasta abusa da delicadeza e enriquece a obra com uma sensibilidade magistral. Através de diferente tipos de jovens, observamos uma mesma realidade, mas sob perspectivas diferentes; é genial como as formas do ambiente transmutam sob cada novo olhar. O desenvolvimento de cada personagem mostrando seu cotidiano e problemas através de uma proximidade literal – a câmera mostra sempre as personagens com muita proximidade - e figurativa – a distância mostrada pela câmera cria uma atmosfera intimista e humana que, inevitavelmente, nos envolve – acaba servindo também para, além de nos mostrar a vida nos corredores de uma escola estado-unidense, tornar a tragédia ainda mais trágica, afinal, tomamos conhecimento de uma parcela das existências interrompidas (aliás, aí está o porquê do título do filme; trata-se de uma parábola budista sobre cegos avaliando um elefante; eles afirmam, equivocadamente, compreender totalmente o animal a tocar em apenas uma parcela dele. Gus Van Sant não quis mostrar o elefante existencial de cada estudante, mas sim apenas uma fração desse). Devido a isso, há quem considere Elephant um soco no estômago – Marcos Ribeiro, do blog Epipocando pediu para eu incluir essa excelente obra na série “soco no estômago”. No entanto, o que senti no filme não foi um flagelo agressivo da minha alma, mas sim uma enorme tristeza; é complicado rotular sentimentos, mas o que a película me passou quando a revi ontem à noite me impediu de inserí-la na série existencialmente masoquista.

A sétima arte encontra dificuldades para se mostrar como uma forma de expressão singular, e Gus Van Sant conseguiu superar essas. Elephant não funcionaria como outra manifestação artística. Um quadro não conseguiria tratar tão bem das relações humanas, enquanto que um livro não conseguiria descrever tão harmonicamente as cenas criadas pelo cineasta bifásico. Elephant é cinema.