8 it was RED: Ascensor para o cadafalso (e o escritor filho da puta)

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Ascensor para o cadafalso (e o escritor filho da puta)

Ascensor para o cadafalso (Ascenseur pour l'échafaud, 1958)
Roteiro: Roger Nimier, Louis Malle, Noël Calef

Direção: Louis Malle

Um dos melhores filmes ao qual ultimamente tive o imensurável prazer de assistir foi Ascenseur pour l'échafaud, o primeiro longa de Louis Malle. Aluguei a película por acaso, pois pretendia apenas conhecer alguma parcela do extenso trabalho do cineasta francês; minha sede foi aguçada quando em Los abrazos rotos (2009), de Pedro Almodóvar, a personagem Harry Caine (Lluís Homar) faz uma citação da obra de Malle. A preferência do realizador do qual sou fã catalisou minha curiosidade e inseriu uma obra-prima da sétima arte em meu aparelho de DVD.
Felicíssima decisão a qual tomei de não ler as sinopses contidas nos versos dos DVD's. Qual é a dificuldade de escrever um resumo de uma trama sem revelar o desfecho de pequenas questões levantadas no decorrer dela? Após assistir a Ascenseur pour l'échafaud, fiz um experimento rotineiro em minha vida cinéfila: mensurar minha indignação com a síntese das películas. O resultado foi um dos mais decepcionantes já diagnosticado em meu laboratório fílmico, pois o longa de Malle possui um roteiro extremamente engenhoso que constitui suas engrenagens de pequenas trágicas surpresas as quais, no escoar do filme, compõem um quadro mais trágico ainda; cada diminuto ato inesperado é um pequeno tragi-fragmento de um catastrófico mosaico genialmente elaborado. Entretanto, o que deveria ser uma abreviada descrição sobre a obra acaba se estendendo e cobrindo todos imprevistos que surgem no primoroso artefato constituído desses. Se o mosaico ao qual contemplamos é formado por surpresas, o objeto artístico se estilhaça com a perda dessas. Alguns cinéfilos, infelizmente, foram vítimas de um filho da puta que, em algumas 10 linhas, fez o feito de destruir o que poderia ser uma excelentíssima experiência cinematográfica. O pior de tudo é que o escritor imbecil foi pago pela sua chacina em forma de texto. Um texto-bomba. Filho da puta.

Louis Malle

Se eu fosse o responsável pela sinopse de Ascenseur pour l'échafaud escreveria apenas: “O genial retrato sobre indivíduos que se fodem”. O verbo foder, com exceção da conotação sexual, nunca poderia ser tão perfeitamente utilizado. Não há outra expressão que retrate de modo mais perfeito o catastrófico destino das personagens do horrivelmente belo mosaico do ex-assistente de Robert Bresson (sim, Malle assistiu o renomado diretor de Pickpocket (1959)). Louis revela detalhadamente a queda de um homem; o trágico destino dos indivíduos retratado no roteiro é ilustrado de modo magistral com elegantíssimas imagens em preto e branco – a película não funcionaria tão bem em cores. O roteiro do filme traça uma diretriz racionalmente tangível das nossas emoções, as quais explodem dentro de nós no decorrer dessa obra de arte.

Não posso deixar de comentar a excelente atuação de Jeanne Moreau e a incrível trilha sonora de Miles Davis. A fascinante atriz está presente em inesquecíveis cenas, como a da abertura, na qual sua personagem declara emocionadamente repetidas vezes ao telefone: “J’taime”. Moreau consegue expressar silenciosamente e verbalmente o tom trágico da película. A música de Miles ilustra sonoramente a obra do cineasta excluído da nouvelle vague (Malle foi rejeitado da panelinha do movimento francês, pois possuia um estilo diferente dos representantes; interessante ver um realizador que foi marginalizado, mas mesmo assim conquistou seu espaço na sétima arte).


Jeanne Moreau

Falar –precisamente escrever – sobre Ascenseur pour l'échafaud é uma contradição em forma de texto. Se o escritor da infeliz sinopse redigiu um texto-bomba, eu escrevi um texto-paradoxo. Resenhei a película sem comentar praticamente nenhum aspecto do roteiro; ao invés de me prender à trama, foquei-me quase que exclusivamente nas qualidades de toda a obra. É como se eu estivesse descrevendo uma belíssima mulher a um amigo e dissesse “ela é linda, maravilhosa, uma das mulheres mais belas que já vi”, meu amigo me indagasse “mas como ela é? Loira, morena, ruiva? Os olhos são de que cor? Conte-me mais sobre ela!” e eu permanecesse apenas descrevendo as qualidades da mulher, pois sua formosura está contida em seus surpreendentes traços; se eu revelasse a cor dos seus cabelos e olhos, o formato de boca e rosto, estaria destruindo toda sua complexa harmonia. Espero que meu amigo leitor entenda que boa fração de, não apenas beleza, mas genialidade de Ascenseur pour l'échafaud está no mistério de suas feições. Meu texto, em contraponto ao texto-bomba do Filho da Puta, é, acima de um texto-paradoxo, um sincero desejo de que outros cinéfilos tomem conhecimento dessa formosíssima mulher, desse comovente mosaico, dessa complexa engenhoca, dessa genial tragi-película.

Um comentário:

  1. Dan,

    Ascenseur pour l'échafaud sempre é dito como um filme 'dificil', dizem que não é para todos e eu acho também - nem todos estão abertos para a sensibilidade que ele expõe e me parece ser amplamente belo, conceitualmente.

    Preciso conferir e já, ele não tem título nacional? abraço

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