8 it was RED: soco no estômago 01: Seul contre tous (x Irréversible)

terça-feira, 3 de novembro de 2009

soco no estômago 01: Seul contre tous (x Irréversible)

Sozinho contra todos (Seul contre tous, 1998)
Direção: Gaspar Noé
Roteiro: Gaspar Noé



Para que vemos filmes? Para que apreciamos a arte? Ora, eu o faço procurando que as mais diversas emoções sejam despertadas em minha alma: tristeza, felicidade, ansiedade, perturbação... Pretendo nos próximos 3 posts (ou mais) dar uma atenção especial às obras cinematográficas que provoquem a última emoção citada. Sou um apreciador do cinema-perturbador, pois, como disse Chan-wook Park, se tu queres te sentir bem não vá ver um filme, mas vá a um SPA. Entretanto, as películas não devem abalar o espírito apenas por abalar; deve haver um objetivo com isso, mesmo que esse seja abstrato, afinal, cinema é arte. Digo isso, pois há inúmeros filmes que se valem de imagens fortes que buscam apenas atrair o espectador para, assim, encher os bolsos das produtoras.

O primeiro selecionado é Seul contre tous, obra-prima de Gaspar Noé. O diretor, que é um adepto do cinema-escroto, tem Irréversible (2002) como seu filme de maior sucesso. Essa película choca pelas imagens fortes (vide as famosas cenas do extintor e do estupro). Entretanto, por mais pertubador que seja assistir uma mulher sendo violentada durante quase 10 minutos, por mais horrível que seja olhar um homem ter sua cabeça esmagada por um extintor, esse desconforto é momentâneo. Já em Seul contre tous, temos nosso espírito ferido de um modo diferente.


A primeira película de Noé começa declarando que deveriam ser feitos filmes sobre homens comuns. O diretor franco-argentino resolve esse problema ao selecionar um açougueiro sem nome (Philippe Nahon) para protagonizar seu longa. O homem de meia-idade é aparentemente um sujeito comum, porém, isso é apenas uma ilusão. Ele é um indivíduo completamente perturbado, e é esse lado que é exibido para o expectador em Seul contre tous.

Gaspar Noé
Em poucos minutos, Gaspar nos informa a biografia do homem de 50 anos, orfão cuja mãe o abandonou e o pai morreu na 2ª Guerra Mundial. O protagonista teve sua virgindade consumida ao ter sido estuprado por um docente em nome de Jesus. Após aprender o ofício de açougueiro e abrir seu próprio negócio, ele conhece uma jovem trabalhadora têxtil e tira-lhe a virgindade em um hotel localizado em frente da fábrica onde ela trabalhava. Esse acontecimento resultaria em uma filha, Cynthia. A mãe não quer saber da criança, deixando-a para o pai cuidar. O indivíduo é atraído sexualmente pela menina ao ver as transformações que ela sofre durante a puberdade. Após achar que ela foi violentada por um pedreiro, ele assassina quem ele supõe que abusou de sua garota, mas tira a vida da pessoa errada. A personagem principal é presa e a filha vai para um conservatório. Após libertado o pai solteiro vai trabalhar em um café, onde ele começa a se relacionar com a dona do estabelecimento. A mulher engravida, vende a instalação e hospeda o açougueiro em sua casa. Lá ele vive com sua sogra e sua mulher.
Noé, em poucos minutos, nos conta toda a trajetória do açougueiro, a qual renderia um filme inteiro. Mas por que, ao invés de filmar a parte mais agitada da vida desse homem, Gaspar decide mostrar um momento de sua existência aparentemente menos turbulento? Digo que o cineasta tenta mostrar a parte normal de um homem normal. No entanto, a aparência pacata é apenas uma maquiagem que cobre um ser repleto de uma filosofia completamente negativista. Durante o longa, somos metralhados com idéias perturbadoras, que abrem feridas em nossos espíritos. Essas, ao contrário de em Irréversible, continuam sangrando após o término do filme.

Philippe Nahon interpretou excelentemente o açougueiro perturbado. Somos presenteados com sua brilhante atuação durante todo o longa, pois o que assistimos é praticamente um monólogo. Philippe encarna de maneira esplêndida um homem que é ao mesmo tempo aparentemente comum e psicologicamente perturbado, com raiva de tudo e de todos: homossexuais, negros, imigrantes, empresários, etc.

Sou obrigado a comentar o final de Seul contre tous, parcela a qual é responsável pela maior ferida que abre o filme abre. O próprio diretor nos adverte do perigo que corremos ao assistir o desfecho ao mostrar na tela: “Você tem 30 segundos para abandonar a sala de projeção”. Assim começa a contagem regressiva para o maior soco no estômago cinematográfico que levaria na minha vida. (SPOILER). O açougueiro resolve buscar sua filha no reformatório e levá-la para o mesmo quarto de hotel em que desvirginou sua mulher. Lá ele resolve violentar sua filha e depois matá-la. Ele dispara um tiro em seu pescoço. A garota agoniza no chão. O pai está desesperado, não sabe o que fazer. Vendo o desespero da filha o homem dá outro tiro nela, acabando com seu sofrimento. O homem resolve se matar. Pestaneja, não sabe o que fazer. Batem na porta do quarto para saber o que está acontecento. O homem começa a se assustar. Somos bombardeados com vários pensamentos da personagem, uma espécie de síntese de todo negativismo contido na película. O açougueiro decide se matar. Bum!

(SPOILER) Entretanto, tudo não passou de uma alucinação. A personagem interpretada por Philippe Nahon tinha apenas imaginado como seria matar a filha e se matar depois. O açougueiro se arrepende de ter pensado nesse possível futuro. Ele abraça sua filha, diz que a ama mais do que tudo. Inicialmente achamos que estamos diante de um amor paterno, mas o abraço começa a se prolongar e beijos começam a ser dados. Percebemos que não estamos mais diante de uma relação normal entre pai e filha. Nos é mostrado o açougueiro acariciando as coxas de Cynthia, exatamente como fizera com sua mãe. O filme acaba com um discurso do protagonista, defendendo a relação entre ele e sua menina, justificando que, se o tipo de amor entre eles é proibido, é porque é grande demais para as pessoas aceitarem. Fim. Tudo acaba como se fosse normal. Noé deixa uma sensação de que tudo é pacato ao filmar, durante a exposição do raciocínio do açougueiro, uma sucessão de eventos banais: uma estrada com crianças brincando e carros passando. No entanto, o amor entre Cynthia e seu pai não tem nada de regular! Está aí a maior ferida de todas! Gaspar, ao intencionalmente banalizar a bizarra relação entre o protagonista e sua filha, parece querer encaixar uma peça errada em um quebra-cabeça, e isso incomoda. E muito!(FIM DO SPOILER)

Seul contre tous é muito perturbador. Após vê-lo fiquei dois dias com seu clima mórbido. Essa genial obra deveria ser assistida por todos!

8 comentários:

  1. Olá Daniel! Concordo com você que bons filmes são aqueles que deixarm marcas em nós mesmo depois de terem acabado. Um que sempre cito como exemplo é Tudo Acontece em Elizabeth Town..ok a primeira vista ele não parece nada eassumo que seja um filme um pouco chato, no entanto sua mensagem de aproveitar os momentos bons da vida e também s ruins (sem esquecer de deixa-los passar) se tornou uma filosofia de vida pra mim.

    Já faz um tempo que acompanho seu blog, mas agora me tornei um seguidor oficial e estou indicando ele la no Epipocando também!

    Abraços

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  2. Olá Marcos! Obrigado por me acompanhar! Não conheço o filme que tu citaste, mas procurarei assisti-lo. Abraço!

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  3. Muito obrigado por visitares o meu blogue.
    Vou passar a vir ao teu, e espero que possamos colaborar ;)

    Cumprimentos

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  4. Recentemente fiquei abismado com Irreversível. Puro cinema, pura arte. Não conheço mais nenhum título do realizador, fiquei agora interessado nesta obra tão bem classificada para ti.

    Tambem atribui nota máxima a Oldboy ou a Touro Enraivecido. Já percebi que temos gostos muito semelhantes.

    Tornar-me-ei seguidor do blogue.

    Cumps.
    Roberto Simões
    CINEROAD - A Estrada do Cinema

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  5. Assisti e apesar das críticas, gostei de "Irreversível". É um filme extremamente forte e que com certeza choca quem quer ver apenas histórias com final feliz.
    Gostei da sua dica, não conhecia esta longa, vou procurar assistir.

    Abraço

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  6. Roberto, Gaspar Noé é pura arte. Sou fã não apenas de Oldboy, mas de toda Trilogia da Vingança. Não conheço Touro Enraivecido, mas, devido à semelhança entre nossos gostos, pretendo assistir a esse filme.

    Hugo, também gostei muito de "Irreversível". Na verdade, sou fã da obra. Apenas quis fazer uma distinção entre as duas películas quanto a forma que cada uma perturba. Ambos os longas são excelentes, mas escolho como meu predileto o de 1998.

    Abraço a todos e obrigado pelos comentários!

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  7. Quero conferir cara.

    Noé fez o filme mais perturbador da alma " Irreversível" - Tenso!

    ótima resenha, abs!

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  8. Rodrigo, confira! "Irreversível" me tocou bastante, mas "Seul contre tous" me feriu mais.

    Obrigado pelo elogio! Abraço!

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